domingo, julho 27, 2014

Can't Buy Me Love - Jonathan Gould





Jonathan Gould levou vinte anos no processo de escrita de Cant' Buy Me Love. Além de escritor, ele também é músico profissional. O subtítulo do livro: The Beatles, Britain And America (li a edição original em inglês da Harmony Books de 2007, mas existe uma edição em português do livro lançada no Brasil pela Larousse), dá o mote sobre o qual o livro se baseia. Trata-se de uma análise da carreira e obra dos FabFour com um excelente trabalho de contextualização histórica, tendo como palco principal a Inglaterra e os EUA. Estão no volume, desde o relançamento do polêmico livro O Amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence ao escandaloso caso do Primeiro Ministro inglês John Profumo, ambos no início dos anos 60 e antes da explosão da Beatlemania, passando pela popularização da TV (tendo sido esta um grande canal para a disseminação e sucesso dos Beatles), e muitas das transformações sociais e políticas que se deram durante o período em que a banda esteve em atividade.

Depois de um breve prólogo, no qual ele fala do histórico dia 7 de fevereiro de 1964 quando os Beatles pisaram pela primeira vez em solo norte-americano, ele surpreende logo no capítulo um, ao iniciar com a letra de Heartbreak Hotel, um dos grandes sucessos de Elvis Presley e traçar um perfil do Rei do Rock. Esse é um dos pontos nos quais o livro tem seu grande valor e um dos destaques dentre a enorme bibliografia sobre os Beatles, o autor escreveu perfis a respeito de várias influências da banda em sua fase inicial, alguns de quem encontramos muito pouco ou quase nenhuma referência facilmente. Nas páginas seguintes, ele fala de Buddy Holly, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Gene Vincent, Bill Halley, Little Richards, Arthur Alexander, o jazzista Django Reinhardt e o guitarrista country Chet Atkins, além de compositores como Jerry Leiber, Mike Stoller, Doc Pomus e Mort Shuman. Gould inicia a história da banda a partir do encontro entre Paul e John em 1957, e a desenvolve, fazendo eventualmente algumas visitas às suas infâncias e dos companheiros de banda, George e Ringo, mas sempre focando na questão musical. Esse é apenas o segundo dos cinquenta e três capítulos do livro, que embora não sejam muito longos, acabam somando 661 páginas ao final do livro.

Quem já leu muito sobre os eternos rapazes de Liverpool nem sempre encontra novidades nas centenas de publicações que surgem sobre eles. A grande virtude do livro de Jonathan Gould é o registro muito bem feito da época, unido ao seu poder de observação nas análises musicais que escreveu advindo de sua sensibilidade musical.

domingo, julho 20, 2014

Paul McCartney – New (2013)





Bem, esse disco já não é tão “new” assim, embora a resenha abaixo tenha sido escrita próximo à data de lançamento, uma das minhas (quase regulares) pausas no blog não me permitiu postá-la na época. De qualquer forma um disco de Paul McCartney é quase sempre atemporal, então segue abaixo minhas “visões” do (ainda) mais recente álbum lançado pelo Sir predileto da casa.

1. Save Us (McCartney/Epworth) - Um riff com guitarra “rasgada” abre o disco num clima alto astral. Rock melódico de primeira. Tem um quê do Paul anos 80, mas também lembra muito o Queen, seja pelo belos backings vocals, como pela levada da música, mesmo o tema me lembra da música Save Me da banda. A criatividade melódica de Paul dá sinais de que nunca irá acabar.

Paul McCartney: vocais, guitarras, baixo
Paul Epworth: bateria
Produção: Paul Epworth

2. Alligator (McCartney) - Tem um pouco da sonoridade do Paul dos anos 90, na linha do seu disco Off The Ground. Dessa vez os vocais vão para uma linha meio Beach Boys. Novamente, um banho de melodia com variações inesperadas como o refrão que surge como um breve e belo interlúdio vocal. Curiosamente como na letra anterior Paul fala em precisar ser salvo: “I want someone who can save me” (Eu preciso de alguém que possa me salvar).

Paul McCartney: vocais, baixo, guitarra, glockenspiel, percussão, sintetizador, celesta, play-me-a-song book
Rusty Anderson: guitarra
Brian Ray: guitarra
Paul 'Wix' Wickens: teclados
Abe Laboriel Jr.: bateria
Produção: Mark Ronson
  
3. On My Way To Work (McCartney) – A primeira balada do disco traz o mesmo misto de sonoridade vintage e moderna das faixas anteriores. Violões e guitarras fazem a linha de frente, bem como executam belas frases que entremeiam a canção. 

Paul McCartney: vocais, baixo, violão, guitarra, ciguitar, piano, bateria
Rusty Anderson: guitarra
Brian Ray: guitarra
Paul 'Wix' Wickens: guitarra, piano, acordeom
Toby Pitman: programação
Cathy Thompson, Laura Melhuish, Patrick Kiernan, Nina Foster: violinos
Peter Lale, Rachel Robson: violas
Caroline Dale, Katherine Jenkinson, Chris Worsey: violoncelos
Richard Pryce, Steve McManus: baixos
Produção: Giles Martin

4. Queenie Eye (McCartney/Epworth) - Um órgão solitário introduz a canção dando a sensação que ouviríamos uma balada, mas a entrada dos vocais e demais instrumentos levam a música para um lado inesperado: um rock psicodélico que ecoa com a fase Magical Mystery Tour, lembrando mais John (de I`m the walrus) e George (de Blue Jay Way) do que Paul (embora eu ouça nela algo meio You Never Give me you Money).

Paul McCartney: vocais, baixo, guitarras, lap steel guitar, piano, Moog, sintetizador, Mellotron, meia-lua
Paul Epworth: bateria
Produção: Paul Epworth

5. Early Days (McCartney) - Balada acústica, muito a ver com o disco Flaming Pie. Ao longo do disco Paul parece estar passeando por momentos distintos de sua carreira e de algumas de suas influências. A letra fala dos primeiros tempos ao lado de John: “Dressed in black from head to toe/Two guitars across our backs/We would walk the city roads/Seeking someone who would listen to the music/That we were writing down at home” (Vestidos de preto da cabeça aos pés/Dois violões em nossas costas/Queríamos andar pelas ruas da cidade/Procurando alguém para ouvir as músicas/Que estávamos escrevendo em casa). Mais uma bela homenagem de Paul ao velho amigo.

Paul McCartney: vocais, violão, contrabaixo acústico, harmônio, percussão
Rusty Anderson:
violão
Brian Ray: dulcimer
Ethan Johns: bateria
Abe Laboriel Jr.: backing vocals
Produção: Ethan Johns
Co-produção: Giles Martin

6. New (McCartney) - Foi lançada como o single do disco. Quando ouvi pela primeira vez eu disse: tudo a ver com Beatles de 66/67! Ao que um amigo retrucou dizendo que lembrava mais Beach Boys. Depois de reouvir concordei, mas o fato é que as duas bandas no auge de suas carreiras andaram trocando influências de forma que acaba virando um ciclo. Os vocais, especialmente no final são definitivamente muito Pet Sounds de Brian Wilson e sua turma.

Paul McCartney: vocais, baixo, piano, cravo, Mellotron, órgão Wurlitzer, congas, maracas, bouzouki
Rusty Anderson: backing vocals, guitarra, bouzouki
Brian Ray: backing vocals, guitarra
Abe Laboriel Jr.: backing vocals, bateria
Paul 'Wix' Wickens: backing vocals
Steve Sidwell: trompete
Jamie Talbot: saxofone tenor
Dave Bishop: saxofone barítono
Produção: Mark Ronson Co-produção: Giles Martin

7. Aprecciate (McCartney) - meio lounge, tem a ver com o Mcartney II, mas vai também para a linha dos projetos paralelos de Paul, como o Fireman e seus flertes com a música eletrônica. Dá uma variada estratégica no clima do disco, como se precisasse. Dá para ver que o cara ainda pensa musicalmente em termos do conceito de um álbum. 

Paul McCartney: vocais, ciguitar, teclados, bateria
Rusty Anderson: backing vocals, guitarra, bouzouki
Brian Ray: backing vocals, guitarra, guitarra barítono
Abe Laboriel Jr.: backing vocals, bateria
Toby Pitman: programação
Produção: Giles Martin
  
8. Everybody Out there (McCartney) - O rock volta à tônica. Uma aula de como compor, arranjar, gravar e produzir uma música pop de qualidade. Só que não parece tão simples quando você tenta fazer em casa.

Paul McCartney: vocais, baixo, guitarra, violão, teclados, piano, Mellotron
Rusty Anderson: guitarras
Brian Ray: guitarras
Paul 'Wix' Wickens: teclados
Abe Laboriel Jr.: bateria
Toby Pitman: programação, teclados
Giles Martin: foot stamp (batidas de pé)
Família McCartney: vocais
Cathy Thompson, Patrick Kiernan, Nina Foster, Laura Melhuish: violinos
Peter Lale, Rachel Robson: violas
Caroline Dale, Katherine Jenkinson, Chris Worsey: violoncelos
Steve McManus, Richard Pryce: baixos
Eliza Marshall, Anna Noakes: flautas
Produção: Giles Martin

9. Hosanna (McCartney) - Outra balada conduzida por violões, um velho efeito de flanger que andou passeando em outras canções do álbum reaparece nessa faixa.

Paul McCartney: vocais, baixo, violão, guitarra, bateria, tape loops
Ethan Johns: iPad tambora app
Produção: Ethan Johns

10. I Can Bet (McCartney) - Uma dose do lado mais soul de Paul aparece nessa faixa bem dançante. 

Paul McCartney: vocais, baixo, violão, guitarra, Moog, órgão Wurlitzer, bateria, percussão, tape loops
Rusty Anderson: guitarra
Paul 'Wix' Wickens:
órgão Hammond
Toby Pitman:
programação
Produção: Giles Martin

11. Looking At Her (McCartney) - Balada romântica cheia de charme, cantada de forma sussurrada. Tem uma textura instrumental moderna com programação eletrônica usada sob medida.

Paul McCartney: vocais, baixo, guitar, Mellotron, Moog, bateria, percussão
Rusty Anderson: guitarra
Toby Pitman: programação, teclados
Produção: Giles Martin

12. Road (McCartney/Epworth) - Usados de forma intensa em todo o disco os teclados conduzem essa música que também vai um pouco para a linha do lounge e da new wave e encerra a edição padrão do cd.

Paul McCartney: vocais, piano, teclados, celeste, percussão
Paul Epworth: baterias
Produção: Paul Epworth

Bônus Deluxe Edition:


13. Turned Out (McCartney) - Mais um rock empolgante do disco. Presente apenas na edição deluxe.

Paul McCartney: vocais, baixo, guitarra, teclados, sintetizador, tubular bells, bateria, percussão
Ethan Johns, Rusty Anderson, Brian Ray: guitarras
Abe Laboriel Jr.: backing vocals, bateria
Produção: Ethan Johns Co-produção: Giles Martin

14. Get Me Out Of Here (McCartney) - Presente também apenas na edição deluxe, essa balada country fecha o pacote. Como já fez antes em outros discos, Paul incluiu no final dessa música uma faixa “escondida”. O nome da décima quinta canção do disco é “Scared” e tem apenas Paul cantando e tocando piano. Uma balada despretensiosa, mas que não deixa de ser mais uma amostra do excepcional padrão de composição de Paul. 

Paul McCartney: vocais, violão, ngoni, washboard
Rusty Anderson: garrafa d’água
Brian Ray: backing vocals, congas
Abe Laboriel Jr.: backing vocals, djembe, bumbo
Produção: Giles Martin

New não apresenta necessariamente um “novo” Paul, mas o “velho” Macca que sempre está ligado ao que está rolando. Fato confirmado pela presença de jovens produtores como Giles Martin (filho de George Martin, o lendário produtor dos Beatles, e que já produziu Jeff Beck, Elvis Costello, Kate Bush), Paul Epworth (Adele, Primal Scream), Mark Ronson (Nikka Costa, Lily Allen, Amy Winehouse, Adele, Duran Duran), Ethan Johns (Kings Of Leon, Joe Cocker, Counting Crows, Jayhawks). Não é nenhuma novidade também, mas ele mantém a exploração de instrumentos não convencionais no rock como fez tantas vezes com os Beatles, Wings ou em carreira solo, sejam eles típicos de regiões africanas como ngoni, djembe ou da Grécia como o bouzouki; a tábua de lavar roupas “washboard” de origem no blues norte-americano; uma percussão eletrônica executada num iPad; a sua ciguitar, aquela guitarra em formato de caixa de charutos que ele usou na apresentação e gravação da música “Cut Me Some Slack” com o Nirvana; e mesmo instrumentos de brinquedo como o “play-me-a-songbook”. Ao mesmo tempo, Paul não abandona a raiz de seu passado musical. Não é à toa que ouvimos referências ao Queen e Beach Boys e também à banda predileta dos integrantes do Queen, assim como de Brian Wilson, líder dos Beach Boys e fatalmente a banda predileta de Paul, os Beatles.

domingo, julho 13, 2014

Engenheiros do Hawaii - Uma Breve Viagem Discográfica: Os Anos Gessinger, Licks & Maltz

6. Capítulo V

Várias Variáveis (1991)




Depois d'O Papa é Pop, os Engenheiros do Hawaii apareceram com mais um título e uma canção propositalmente cheia de aliterações, "A Pampa é Pobre/O país é pobre/É pobre à pampa/O PIB é pouco/O povo pena, mas não pára/A poesia é um porre/O poder, o pudor/Várias Variáveis/O pão, o peão/A pátria à flor da pele pede passagem...". Era a canção "O Sonho é Popular", anunciando um dos melhores discos da banda e servindo de prelúdio para a regravação de "Herdeiro da Pampa Pobre" de Gaúcho da Fronteira e Vainê Darde. Prato cheio para Augusto Licks apresentar mais um de seus personalíssimos solos, usando a técnica de tapping que consiste em tocar com as duas mãos na escala do instrumento. Augusto imprime personalidade ao buscar inspiração na música gaúcha e consegue soar diferente no uso de uma técnica na qual todos guitarristas soam iguais. “Sala Vip” é uma das canções mais pesadas e agressivas gravadas pela banda, tanto no instrumental quanto na letra ("Não, nem vem que não tem, eu não devo nada pra ninguém", "Tô de saco cheio, chega, deu pra mim, eu não sou do meio, não sou do meio termo, quero todos os gestos ou nenhum"). “Piano Bar” é outra balada com base nos teclados, agora nos comandos de Humberto Gessinger, deixando o parceiro Augusto livre para executar mais um marcante solo de guitarra. “Ando Só” mostra o trio "redondinho", com a bateria de Carlos Maltz com bastante punch, e as boas linhas de baixo e guitarra que inclusive dialogam durante o solo num jogo de pergunta e resposta. “Quartos de Hotel” com seu riff pesado na introdução surpreende o ouvinte ao desembocar numa base de violão transformando a canção numa balada que logo no primeiro refrão retorna ao clima mais pesado e fecha o lado A.

O lado B surge com a vinheta que leva o nome do disco, uma colagem de sons e ruídos, no melhor estilo “Revolution #9” dos Beatles, que apresenta mais uma vez um riff que apareceria em vários discos da banda (vide as músicas “Vozes” e “A Verdade a Ver Navios” presentes no segundo e terceiro discos dos Engenheiros respectivamente). “Sampa No Walkman”  inicia com o mesmo riff  de “Quartos de Hotel”, assim como eles já haviam feito em “A Revolta dos Dândis I e II”. A música presta uma homenagem a Caetano Veloso e a cidade de São Paulo (“a mesma esquina em outra canção”). Dois grandes instrumentais com dois solos perfeitos de Augustinho em ótima forma e domínio total de seu instrumento. “Muros E Grades” com um baixo pulsante e a bela introdução executada numa guitarra 12 cordas, se tornou um dos clássicos da banda com mais uma das instigantes letras de Humberto (“então erguemos os muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia”; “levamos uma vida que não nos leva à nada”). “Museu de Cera” mantém a mesma pegada com instrumental vigoroso e o uso de samplers como em outras faixas do disco. Os versos finais são cantados à capella (o mesmo acontece na última faixa do disco). Na sequência, dois momentos acústicos e bastante despojados que dão a impressão que a banda gravou tocando ao vivo no estúdio, com Humberto ao piano, Licks no violão e Carlos na percussão, eles apresentam a breve “Curtametragem” ("A vida é uma viagem, passagem só de ida"..."A vida é uma viagem, bebida sem gelo engolida às pressas, às vésperas da sede"), nessa, eles erram no meio e recomeçam a canção; assim como fazem na introdução  da música subsequente, “Descendo A Serra”, que traz mais alguns bons versos da verve "gessingeriana" (“é sempre mais difícil dizer adeus quando não há nada mais pra se dizer”). Depois do bucolismo das duas baladas, outro momento quebradeira com a música “Não É Sempre”, Humberto apresenta ao longo do disco toda uma série de letras inspiradíssimas com seus trocadilhos cortantes e aqui não é diferente ("Acontece que eu não nasci ontem e até hoje sempre escapei com vida", “não queria estar no meu lugar, não queria estar em lugar nenhum), Augusto Licks comparece com mais um grande solo. Para fechar, “Nunca é sempre”, uma segunda parte da canção anterior com a mesma harmonia da primeira faixa do disco que o liga e o fecha como se fosse um livro.

A exemplo do disco anterior (O Papa É Pop), Várias Variáveis também teve a produção a cargo da banda, na verdade, como diria Carlos Maltz no mesmo ano: “o Augusto produz tudo, e quando ele grava eu o produzo”. A capa verde marca um retorno à trilogia idealizada a partir do segundo (amarelo) e terceiro (vermelho) discos da banda com as cores inspiradas na bandeira do Rio Grande do Sul, mas que havia sido adiada em razão do disco ao vivo (Alívio Imediato) e d'O Papa É Pop que eles consideram acidentais na trajetória discográfica da banda. Circulando uma foto do trio temos uma cobra mordendo o próprio rabo dando ideia de continuidade. As engrenagens continuam, agora apresentando símbolos da cultura pop como o Mickey Mouse; uma paródia da Coca-Cola aonde lê-se Beba Chimarrão no lugar do nome da marca de refrigerantes; distintivos dos clubes de futebol gaúchos, Grêmio e Internacional; o “Senta a Púa” da Força Aérea Brasileira e o “Já te atendo, tchê!” do Esquadrão Aéreo Pampa (com a também figura de outro personagem da Disney, o Zé Carioca, travestido de “Zé Gaúcho” com direito à cuia de chimarrão); o símbolo das Nações Unidas; um antigo discador de telefone; o trifólio, símbolo da radioatividade; o desenho o Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci; uma moeda de cruzeiro; a pirâmide iluminatti das notas de um dólar e até um Smile . A ideia original era usar logotipos de diversas marcas de carros, mas houve receio por parte da gravadora com o risco de problemas com as empresas, o que levou às mudanças no projeto. A contracapa traz ainda mais uma série de variações dessas engrenagens, com o logotipo da gravadora RCA, da Cruz Vermelha, o cartaz de Proibido Fumar, estrela de Davi, o “A” de anarquia, e os símbolos de masculino e feminino.Várias Variáveis é um dos discos mais rockeiros da banda e ao mesmo tempo manteve um pouco da vertente progressiva que a banda sempre cultivou embora nunca tenha entrado de cabeça nela.  



 
Obs: assim como os Engenheiros fizeram com o disco Várias Variáveis, eu dedico essa postagem ao homem só, seja ele quem for, esteja onde estiver.

domingo, julho 06, 2014

Um encontro com a cantora Josephine Baker e o maestro Souza Lima




O único tipo de loja da qual eu gosto são os sebos de livros e discos. Não tenho paciência para ir em nenhum outro tipo de loja por mais que possa gostar ou precisar do produto que ela venda. Há alguns anos atrás, andando numa rua do centro de Belo Horizonte, deparei-me com um sebo que de tão pequeno mal cabiam os livros e o vendedor lá dentro. Ainda assim, consegui entrar, e como de hábito, procurei primeiro por livros sobre música, como sempre se tem poucos, confiro-os primeiro, para depois procurar outros temas. Um livro chamou minha atenção: A Cleópatra do Jazz de Phyllis Rose (Ed. Rocco), uma biografia sobre a cantora Josephine Baker. Já tinha visto ou ouvido algo sobre ela, mas não conhecia quase nada sobre sua carreira. A capa exibia uma foto de corpo inteiro da artista nua, porém, com suas “vergonhas” escondidas por um tecido que descia de suas mãos na altura dos seios até os pés. Dei uma folheada, pareceu-me interessante e resolvi levá-lo. Acabei gostando do livro e ainda mais da cantora. Josephine teve uma história fantástica, saiu de uma infância miserável em Saint Louis nos EUA para brilhar nos palcos do mundo a partir de um sucesso arrebatador na cidade na Paris dos anos 1920, que já era um grande centro cultural e intelectual com a presença de grandes escritores; e o sucesso das bandas de jazz, do teatro e da ópera. Josephine aparecia em cena com os seios à mostra e vestida apenas de um pequeno saiote, se tornou sua marca registrada, um em especial com arranjos que imitavam bananas. Ela ficou milionária e adotou doze órfãos das mais variadas etnias que ela chamou de Tribo Arco-Íris, a intenção da artista negra era promover uma convivência harmônica entre as “raças”, fruto do trauma de quem viveu nos Estados Unidos da América do início do século passado. Além de brigar pelos direitos civis negros em seu país, ela trabalhou como agente da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Seu funeral em Paris, cidade que adotou como lar, reuniu uma verdadeira multidão em 1975 em frente à Igreja de La Madeleine.

Tempos depois, a caminho do trabalho, avistei outro sebo que também não conhecia, assim como o primeiro, e da mesma forma resolvi entrar. Seguindo o ritual, fui direto aos livros sobre música, a oferta também era a de sempre, poucas edições sobre o tema, mas entre eles achei a autobiografia do maestro brasileiro, nascido em São Paulo, Souza Lima com o título de Moto Perpétuo, a visão poética da vida através da música (Ed. Ibrasa). Além de regente, Souza Lima era também pianista e compositor, até então só o conhecia por nome, mas resolvi levar o exemplar, uma edição bem simples, com um texto mais simples ainda, de uma pureza quase ingênua. Souza Lima que escreveu o livro aos 84 anos, pouco antes de sua morte, se pareceu com vários senhores de mais idade com os quais eu gosto muito de conversar, sejam conhecidos ou aqueles simpáticos senhores e senhoras que dão bom dia no ponto de ônibus e comentam sobre o tempo ou alguma outra trivialidade para puxar assunto. Ele se apresentou como pianista ao lado de Villa-Lobos e da pianista francesa Marguerite Long que também foi sua professora. Foi titular da Orquestra Municipal de São Paulo durante 32 anos, e  entre outras orquestras, também regeu a Sinfônica Brasileira em ocasiões especiais, teve sob sua batuta, entre tantos nomes, solistas como o violonista Andrés Segóvia, a cantora Maria Lúcia Godoy, os pianistas Arthur Moreira Lima e Magda Tagliaferro. Para a minha surpresa, as histórias de Souza Lima e Josephine Baker se encontram num certo ponto do livro quando descobri que o regente também viveu em Paris na mesma época em que a cantora, e embora atuando em áreas diferentes (pero no mucho), ele na música erudita, e ela como cantora e dançarina de jazz e vaudeville. Ela aparece numa lista no final do livro entre os solistas que se apresentaram sob a regência de Souza Lima. O livro, no entanto, não revela detalhes desse encontro, mas eu posso dizer que os encontrei em esquinas diferentes de Belo Horizonte.