Quando foi anunciado o lançamento de um EP do Roberto Carlos, o primeiro da era
pós-vinil, achei um barato. O formato era o segundo principal da indústria
fonográfica até meados dos anos 60, logo depois do single (chamado de compacto
simples no Brasil), este disquinho trazia duas canções, normalmente uma
candidata a hit que ocupava o lado A (e por isso mesmo o termo single que quer dizer algo como "um", "único" em inglês) e o lado B que tinha quase que a função
apenas de completar o disco, sendo que um artista que tivesse duas canções
“fortes” usualmente guardava a outra para lançar como lado A de um novo
compacto (daí se origina o termo lado B para designar as canções menos
conhecidas de um artista, mas certa banda liverpuldiana lançou uma série tão
alucinante de compactos nos 60 em que os lados B's acabavam tornando-se tão
hits quanto o lado A, assim como também foram fundamentais para que o LP, abreviatura para long-play em inglês se tornasse o formato principal na música popular a partir de seus álbuns repletos de sucessos e mais tarde com o início do que viria a ser os álbuns conceituais, aonde as canções traziam ligações entre si e faziam parte de um todo). Depois do compacto simples vinha o EP (em inglês
abreviatura de Extendend Play, no Brasil ele foi batizado de compacto duplo)
que trazia quatro faixas e por fim, aparecia o LP (long play) que trazia 12 a
14 faixas no caso da música popular e costumava conter as canções lançadas
anteriormente nos compactos. A ideia era que o compacto (single) fosse o foco
das vendas que devido ao custo menor tinha mais saída. Para artistas
que estavam se lançando era extremamente interessante, pois o menor
investimento por parte da gravadora fazia com que ela se encorajasse a viabilizar
mais lançamentos e o artista podia "ser testado" concentrado
basicamente com a produção de duas músicas, ao invés do lançamento de no mínimo
uma dezena a mais de canções. No exterior, o lançamento de singles segue seu
curso de maneira regular e como forma de estimular o ouvinte que compra o álbum
completo a adquirir também o single é comum que este contenha canções ou
versões exclusivas. Por razões que só a Indústria Pornográfica (digo,
Fonográfica) Brasileira pode dar, o formato single acabou sendo extinto no
Brasil pouco antes de fim da produção de vinil no país, sendo mantido na era CD
quase que exclusivamente para CD's de divulgação enviados para rádios e
imprensa. O fato é que há uns anos atrás, antes da pirataria e a internet darem
um belo chute no traseiro das gravadoras, estas até tentaram investir no
formato single CD no Brasil, porém com os discos sendo vendidos praticamente ao
mesmo preço do CD "cheio" e o formato não vingou (lembro de
lançamentos por aqui de singles do Eric Clapton e das Spice Girls nessa
época)...coisas do Brasil. E foi por isso mesmo que achei interessante quando
foi anunciado o EP de Roberto Carlos. Por conter duas canções inéditas e duas
lançadas anteriormente (também era comum tempos atrás que o EP viesse com essa
composição já que as músicas gravadas anteriormente ajudavam a baratear o gasto
da produção) viria acompanhado na sequência de um CD inédito "completo" que o
público de Roberto anseia há tempos, mas não é o que parece que vai acontecer.
RC que durante toda a carreira praticamente lançou um disco por ano
(considerando nesse caso o disco original em português, já que desde os anos 70
até início dos 90 seus discos eram vertidos para espanhol e lançados no mundo
hispânico), nesses discos Roberto praticamente não cometeu regravações de seu
próprio repertório, a primeira se deu em 1975, 17 anos depois do lançamento de
seu primeiro compacto quando regravou "Quero que vá tudo pro
inferno", lançada originalmente em 1965, essa regravação se justificou
pelo fato de na ocasião celebrar os 10 anos do programa Jovem Guarda no qual Roberto
se projetou nacionalmente. Depois disso ele só voltaria a revisitar seu
repertório em seu primeiro disco ao vivo gravado em 1988, uma curiosidade é que
esse disco saiu em junho daquele ano, sendo sabido que seus lançamentos
tradicionalmente ocorriam próximos do Natal e no mesmo ano Roberto lançou
também seu álbum regular de fim de ano, o disco ao vivo se explica porque
naquele ano as vendas de disco andavam fracas e a então CBS (hoje Sony/BMG) resolveu
pôr nas prateleiras um novo disco do Rei de forma a atrair o público às lojas,
nem se faz necessária a confirmação que o ato deu certo, pois só no lançamento
vendeu 750 mil cópias (nos tempos áureos do império das gravadoras o disco
anual de RC não vendia menos de um milhão de exemplares).
Nos últimos anos, no entanto o cantor vem evitando e
adiando o lançamento de um disco de canções inéditas, acredito que seja fruto
de um grande receio por parte do artista que o disco não venda tanto quantos os
álbuns ao vivo recheados de regravações que se tornou padrão na indústria
brasileira, as gravadoras com isso economizam na produção e apostam no que
"deu certo" confiando numa passividade e incapacidade do público de
absorver novos trabalhos, soma-se a isso a questão que mesmo boas canções lançadas por RC nesse
período acabaram não rendendo a repercussão devida, esse é o caso de "Te
Amo Tanto", "Amor Sem Limite" ou "Pra Sempre", isso
provavelmente serviu para desencorajar o artista uma vez que trabalhos como o
Acústico e o disco em parceria com Caetano Veloso cantando Tom Jobim tiveram
vendas muito expressivas (ótimos trabalhos estes, diga-se de passagem), assim
como a série de "ao vivos" e ainda o disco Duetos em detrimento
aos seus últimos projetos de inéditas. Seria até desumano exigir que o artista
hoje lance um disco de inéditas por ano, mas acredito que um bom caminho a
seguir seria o investimento em projetos realmente artísticos e caprichados como
foi o disco com Caetano. Roberto poderia explorar um repertório que o agrada e
que ele não visitou muito, quem sabe um disco de standards do jazz com coisas
do repertório de Sinatra, Tony Bennett ou Chet Baker? Por que ele não grava um
disco com canções do maior compositor brasileiro segundo ele, Chico Buarque? Clássicos
da música brasileira? Cartola, quem sabe? Uma
visita ao repertório rockeiro do início da carreira que ele já até gravou como
Elvis ou Beatles? Mais do que simples regravações essas sim seriam registros
históricos, um favor dele emprestar sua voz a grandes canções. Mas o cara é
muito na dele e mesmo suas apostas mais ousadas, são muito, mas muito calculadas.
Enfim, chegando ao tal EP que traz as inéditas
"Esse Cara Sou Eu" e "Furdúncio" e é completado com "A
Mulher Que Eu Amo" e "A Volta", as quatro músicas carregam em
comum o fato de terem sido veiculadas em telenovelas da Rede Globo (que tem um
contrato de exclusividade com o artista para que ele grave seu Especial anual de fim de ano,
não se apresente em outros canais e faça eventuais participações em alguns
programas da emissora), sendo que as duas inéditas estão presentes numa mesma
novela que está no ar atualmente. Em outras épocas, quando suas vendas chegavam
a superar a marcas de 2,5 milhões por ano de cada lançamento, Roberto não
permitia que canções na sua voz entrassem em trilhas de novela, um fruto da
alta competência com a qual RC sempre gerenciou sua carreira, a intenção era evitar a
superexposição. Hoje os tempos são outros, Roberto ainda vende muito, mas não é
mais líder absoluto quando se trata dos novos lançamentos, o lamentável é que praticamente todos que o têm superado em vendas são
absolutamente medíocres artisticamente, sejam os
padres-pops-"cantores" ou as "bailarinas"-"cantoras"-"modelos"-"atrizes".
O lançamento atual, porém conseguiu o que canções de qualidade similar ou até
melhores lançadas nos últimos dez anos pelo cantor não conseguiram, um hit inquestionável:
"Esse Cara Sou Eu". A música caiu no gosto do povo de maneira
arrebatadora, há tempos uma nova canção de Roberto não ia parar na boca de
todos, mesmo aqueles que não fazem parte de seu público habitual, levando o
disco rapidamente ao topo das paradas mesmo antes de seu lançamento através das
reservas ou compras pelo site iTunes e a venda de um milhão de exemplares. A
queda nas vendas de discos na última década poderia sugerir uma queda de
prestígio do artista, ledo engano, seus shows continuam concorridos como sempre
em qualquer lugar do mundo, não raramente ele têm sido obrigado a abrir datas
extras para suas apresentações devido à procura por ingressos, assim como seu já
tradicional cruzeiro que tem suas vagas esgotadas com mais de um ano de antecedência.
Depois de tão longo prefácio, vamos ao disco:
Como ouvinte e colecionador chato e detalhista não gostei da baixa qualidade do papel do
encarte, o motivo mais provável deve ser econômico para o disco ser vendido por
um preço mais acessível como está ocorrendo. Tabelado como R$9,90, ele na
verdade poderia ser mais barato, uma vez que vários álbuns "cheios"
se encontram no mercado por esse preço.
1. ESSE CARA SOU EU
Composição solitária de Roberto Carlos, apesar de não
ser das suas letras mais inspiradas, dá uma sensação de que ele já cantou todos
os versos em outras canções, o Robertão convencido de “Detalhes” que
sacramentava que a amante não o esqueceria a qualquer custo reaparece aqui para
dizer “Eu sou o cara certo pra você/ Que te faz feliz e que te adora” (usando o
eu lírico claro, como confessou o compositor de maneira mais humilde “esse é o
cara que eu gostaria de ser”) o verso que traz o título resolve bem o fim das
estrofes e é nesse gancho que se apóia seu sucesso. Já a estrutura musical da
canção embora seja bem simples apresenta um arranjo de Tutuca Borba sob medida
criando climas com interessantes dinâmicas que não deixa a baladinha lenta cair
na monotonia, para a estrofe final aquela subidinha de tom clássica em canções
do gênero, a sonoridade geral lembrou muito os discos do RC dos anos 80. Participam
da faixa os músicos da banda de Lulu Santos, Chocolate na bateria e Jorge Aílton
no baixo, além de Tutuca nos teclados e o próprio Roberto se arriscando mais
uma vez ao piano e tem ainda uma guitarra não creditada no encarte que lembra
muito o estilo de Paulinho Ferreira da RC9 (banda do Roberto) e que vem
gravando com ele regularmente.
2. FURDÚNCIO
Parceria da dupla dinâmica Roberto e Erasmo se arriscando
num funk melody, estilo que chamou a atenção de Roberto a partir da audição da
canção “Se Ela Dança, Eu Danço” de MC Leozinho que rendeu um surpreendente
dueto no Especial de RC em 2006. Uma qualidade inegável do intérprete Roberto
Carlos é a capacidade de cantar diversos estilos sempre os adaptando muito bem
ao seu estilo (basta dar uma passeada pela sua discografia e ver como ele
gravou rocks, blues, valsas, tangos, boleros, sambas, bossas, pop, etc.) e
dessa vez não foi diferente. Um arranjo recheado com efeitos eletrônicos, uma
guitarra funky gravada por Ringo Moraes, teclados de Tutuca Borba e arranjos e
teclado de DJ Batutinha. Na letra Roberto e Erasmo acabam por quase repetir um
verso “Pra ver de perto aquela coisa bonita/Que me assanha, me provoca, me
agita” que remete à canção "Símbolo Sexual" (1985) onde ele canta:
“Você me fala tanta coisa bonita/Me acaricia, me provoca, me agita”, não sei se
foi intencional, quase uma citação, mas ficou bem próximo e seria estranho que
eles não tivessem percebido a semelhança, afora isso a letra resulta bem mais
criativa que “Esse Cara Sou Eu”, a presença de Erasmo certamente tem a ver com
isso. Interessante observar que apesar de os músicos da banda de Lulu Santos
terem participado da canção anterior, essa gravação é que lembra um pouco o
estilo de Lulu, o solo com um efeito de teclado simulando uma cítara acentua a
semelhança. Ah, e ainda tem o assobio do cara durante o solo, ele também manda
muito bem nesse quesito!
3. A MULHER QUE EU AMO
Canção lançada originalmente em 2009 na
trilha sonora de mais uma telenovela e apesar desse apoio extra na divulgação acabou não emplacando.
Instrumental também sob o comando de Tutuca Borba que executa piano, cordas (no
teclado) e assina o arranjo.
4. A VOLTA
A primeira gravação dessa composição foi registrada
pelos Vips em 1965 e foi um grande sucesso na época, a gravação de Roberto em
2004 também integrou a trilha de uma novela global, foi incluída como faixa
bônus na segunda edição do disco “Roberto Carlos Ao Vivo No Pacaembu” e no
álbum de 2005. Destaque para a guitarra à la Dire Straits tocada por Paulinho
Ferreira e os vocais de Roberto que registrou também aquela bela segunda voz
como só ele sabe fazer. Completando a ficha técnica tem Jurim Moreira na
bateria, Dedé Marquez na percussão, Dárcio Ract no baixo, Paulinho Galvão no
violão e Tutuca Borba nos teclados e piano.
Ainda: Um vídeo postado num blog sobre Roberto Carlos
do meu amigo Baratta mostra a primeira vez que RC cantou "Esse Cara Sou
Eu" em um show (para conferir clique AQUI). Segundo um site (que não me
lembro agora), a nova canção teria sido a mais aplaudida da noite. Espero que
sirva de estímulo para que ele continue apostando em material inédito (ou
regravações relevantes)!