domingo, dezembro 09, 2012

Roberto Carlos - Esse Cara Sou Eu




Quando foi anunciado o lançamento de um EP do Roberto Carlos, o primeiro da era pós-vinil, achei um barato. O formato era o segundo principal da indústria fonográfica até meados dos anos 60, logo depois do single (chamado de compacto simples no Brasil), este disquinho trazia duas canções, normalmente uma candidata a hit que ocupava o lado A (e por isso mesmo o termo single que quer dizer algo como "um", "único" em inglês) e o lado B que tinha quase que a função apenas de completar o disco, sendo que um artista que tivesse duas canções “fortes” usualmente guardava a outra para lançar como lado A de um novo compacto (daí se origina o termo lado B para designar as canções menos conhecidas de um artista, mas certa banda liverpuldiana lançou uma série tão alucinante de compactos nos 60 em que os lados B's acabavam tornando-se tão hits quanto o lado A, assim como também foram fundamentais para que o LP, abreviatura para long-play em inglês se tornasse o formato principal na música popular a partir de seus álbuns repletos de sucessos e mais tarde com o início do que viria a ser os álbuns conceituais, aonde as canções traziam ligações entre si e faziam parte de um todo). Depois do compacto simples vinha o EP (em inglês abreviatura de Extendend Play, no Brasil ele foi batizado de compacto duplo) que trazia quatro faixas e por fim, aparecia o LP (long play) que trazia 12 a 14 faixas no caso da música popular e costumava conter as canções lançadas anteriormente nos compactos. A ideia era que o compacto (single) fosse o foco das vendas que devido ao custo menor tinha mais saída. Para artistas que estavam se lançando era extremamente interessante, pois o menor investimento por parte da gravadora fazia com que ela se encorajasse a viabilizar mais lançamentos e o artista podia "ser testado" concentrado basicamente com a produção de duas músicas, ao invés do lançamento de no mínimo uma dezena a mais de canções. No exterior, o lançamento de singles segue seu curso de maneira regular e como forma de estimular o ouvinte que compra o álbum completo a adquirir também o single é comum que este contenha canções ou versões exclusivas. Por razões que só a Indústria Pornográfica (digo, Fonográfica) Brasileira pode dar, o formato single acabou sendo extinto no Brasil pouco antes de fim da produção de vinil no país, sendo mantido na era CD quase que exclusivamente para CD's de divulgação enviados para rádios e imprensa. O fato é que há uns anos atrás, antes da pirataria e a internet darem um belo chute no traseiro das gravadoras, estas até tentaram investir no formato single CD no Brasil, porém com os discos sendo vendidos praticamente ao mesmo preço do CD "cheio" e o formato não vingou (lembro de lançamentos por aqui de singles do Eric Clapton e das Spice Girls nessa época)...coisas do Brasil. E foi por isso mesmo que achei interessante quando foi anunciado o EP de Roberto Carlos. Por conter duas canções inéditas e duas lançadas anteriormente (também era comum tempos atrás que o EP viesse com essa composição já que as músicas gravadas anteriormente ajudavam a baratear o gasto da produção) viria acompanhado na sequência de um CD inédito "completo" que o público de Roberto anseia há tempos, mas não é o que parece que vai acontecer. RC que durante toda a carreira praticamente lançou um disco por ano (considerando nesse caso o disco original em português, já que desde os anos 70 até início dos 90 seus discos eram vertidos para espanhol e lançados no mundo hispânico), nesses discos Roberto praticamente não cometeu regravações de seu próprio repertório, a primeira se deu em 1975, 17 anos depois do lançamento de seu primeiro compacto quando regravou "Quero que vá tudo pro inferno", lançada originalmente em 1965, essa regravação se justificou pelo fato de na ocasião celebrar os 10 anos do programa Jovem Guarda no qual Roberto se projetou nacionalmente. Depois disso ele só voltaria a revisitar seu repertório em seu primeiro disco ao vivo gravado em 1988, uma curiosidade é que esse disco saiu em junho daquele ano, sendo sabido que seus lançamentos tradicionalmente ocorriam próximos do Natal e no mesmo ano Roberto lançou também seu álbum regular de fim de ano, o disco ao vivo se explica porque naquele ano as vendas de disco andavam fracas e a então CBS (hoje Sony/BMG) resolveu pôr nas prateleiras um novo disco do Rei de forma a atrair o público às lojas, nem se faz necessária a confirmação que o ato deu certo, pois só no lançamento vendeu 750 mil cópias (nos tempos áureos do império das gravadoras o disco anual de RC não vendia menos de um milhão de exemplares).

Nos últimos anos, no entanto o cantor vem evitando e adiando o lançamento de um disco de canções inéditas, acredito que seja fruto de um grande receio por parte do artista que o disco não venda tanto quantos os álbuns ao vivo recheados de regravações que se tornou padrão na indústria brasileira, as gravadoras com isso economizam na produção e apostam no que "deu certo" confiando numa passividade e incapacidade do público de absorver novos trabalhos, soma-se a isso a questão que mesmo boas canções lançadas por RC nesse período acabaram não rendendo a repercussão devida, esse é o caso de "Te Amo Tanto", "Amor Sem Limite" ou "Pra Sempre", isso provavelmente serviu para desencorajar o artista uma vez que trabalhos como o Acústico e o disco em parceria com Caetano Veloso cantando Tom Jobim tiveram vendas muito expressivas (ótimos trabalhos estes, diga-se de passagem), assim como a série de "ao vivos" e ainda o disco Duetos em detrimento aos seus últimos projetos de inéditas. Seria até desumano exigir que o artista hoje lance um disco de inéditas por ano, mas acredito que um bom caminho a seguir seria o investimento em projetos realmente artísticos e caprichados como foi o disco com Caetano. Roberto poderia explorar um repertório que o agrada e que ele não visitou muito, quem sabe um disco de standards do jazz com coisas do repertório de Sinatra, Tony Bennett ou Chet Baker? Por que ele não grava um disco com canções do maior compositor brasileiro segundo ele, Chico Buarque? Clássicos da música brasileira? Cartola, quem sabe? Uma visita ao repertório rockeiro do início da carreira que ele já até gravou como Elvis ou Beatles? Mais do que simples regravações essas sim seriam registros históricos, um favor dele emprestar sua voz a grandes canções. Mas o cara é muito na dele e mesmo suas apostas mais ousadas, são muito, mas muito calculadas.

Enfim, chegando ao tal EP que traz as inéditas "Esse Cara Sou Eu" e "Furdúncio" e é completado com "A Mulher Que Eu Amo" e "A Volta", as quatro músicas carregam em comum o fato de terem sido veiculadas em telenovelas da Rede Globo (que tem um contrato de exclusividade com o artista para que ele grave seu Especial anual  de fim de ano, não se apresente em outros canais e faça eventuais participações em alguns programas da emissora), sendo que as duas inéditas estão presentes numa mesma novela que está no ar atualmente. Em outras épocas, quando suas vendas chegavam a superar a marcas de 2,5 milhões por ano de cada lançamento, Roberto não permitia que canções na sua voz entrassem em trilhas de novela, um fruto da alta competência com a qual RC sempre gerenciou sua carreira, a intenção era evitar a superexposição. Hoje os tempos são outros, Roberto ainda vende muito, mas não é mais líder absoluto quando se trata dos novos lançamentos, o lamentável é que praticamente todos que o têm superado em vendas são absolutamente medíocres artisticamente, sejam os padres-pops-"cantores" ou as "bailarinas"-"cantoras"-"modelos"-"atrizes". O lançamento atual, porém conseguiu o que canções de qualidade similar ou até melhores lançadas nos últimos dez anos pelo cantor não conseguiram, um hit inquestionável: "Esse Cara Sou Eu". A música caiu no gosto do povo de maneira arrebatadora, há tempos uma nova canção de Roberto não ia parar na boca de todos, mesmo aqueles que não fazem parte de seu público habitual, levando o disco rapidamente ao topo das paradas mesmo antes de seu lançamento através das reservas ou compras pelo site iTunes e a venda de um milhão de exemplares. A queda nas vendas de discos na última década poderia sugerir uma queda de prestígio do artista, ledo engano, seus shows continuam concorridos como sempre em qualquer lugar do mundo, não raramente ele têm sido obrigado a abrir datas extras para suas apresentações devido à procura por ingressos, assim como seu já tradicional cruzeiro que tem suas vagas esgotadas com mais de um ano de antecedência.

Depois de tão longo prefácio, vamos ao disco:

Como ouvinte e colecionador chato e detalhista não gostei da baixa qualidade do papel do encarte, o motivo mais provável deve ser econômico para o disco ser vendido por um preço mais acessível como está ocorrendo. Tabelado como R$9,90, ele na verdade poderia ser mais barato, uma vez que vários álbuns "cheios" se encontram no mercado por esse preço.
  

1. ESSE CARA SOU EU

Composição solitária de Roberto Carlos, apesar de não ser das suas letras mais inspiradas, dá uma sensação de que ele já cantou todos os versos em outras canções, o Robertão convencido de “Detalhes” que sacramentava que a amante não o esqueceria a qualquer custo reaparece aqui para dizer “Eu sou o cara certo pra você/ Que te faz feliz e que te adora” (usando o eu lírico claro, como confessou o compositor de maneira mais humilde “esse é o cara que eu gostaria de ser”) o verso que traz o título resolve bem o fim das estrofes e é nesse gancho que se apóia seu sucesso. Já a estrutura musical da canção embora seja bem simples apresenta um arranjo de Tutuca Borba sob medida criando climas com interessantes dinâmicas que não deixa a baladinha lenta cair na monotonia, para a estrofe final aquela subidinha de tom clássica em canções do gênero, a sonoridade geral lembrou muito os discos do RC dos anos 80. Participam da faixa os músicos da banda de Lulu Santos, Chocolate na bateria e Jorge Aílton no baixo, além de Tutuca nos teclados e o próprio Roberto se arriscando mais uma vez ao piano e tem ainda uma guitarra não creditada no encarte que lembra muito o estilo de Paulinho Ferreira da RC9 (banda do Roberto) e que vem gravando com ele regularmente.

2. FURDÚNCIO

Parceria da dupla dinâmica Roberto e Erasmo se arriscando num funk melody, estilo que chamou a atenção de Roberto a partir da audição da canção “Se Ela Dança, Eu Danço” de MC Leozinho que rendeu um surpreendente dueto no Especial de RC em 2006. Uma qualidade inegável do intérprete Roberto Carlos é a capacidade de cantar diversos estilos sempre os adaptando muito bem ao seu estilo (basta dar uma passeada pela sua discografia e ver como ele gravou rocks, blues, valsas, tangos, boleros, sambas, bossas, pop, etc.) e dessa vez não foi diferente. Um arranjo recheado com efeitos eletrônicos, uma guitarra funky gravada por Ringo Moraes, teclados de Tutuca Borba e arranjos e teclado de DJ Batutinha. Na letra Roberto e Erasmo acabam por quase repetir um verso “Pra ver de perto aquela coisa bonita/Que me assanha, me provoca, me agita” que remete à canção "Símbolo Sexual" (1985) onde ele canta: “Você me fala tanta coisa bonita/Me acaricia, me provoca, me agita”, não sei se foi intencional, quase uma citação, mas ficou bem próximo e seria estranho que eles não tivessem percebido a semelhança, afora isso a letra resulta bem mais criativa que “Esse Cara Sou Eu”, a presença de Erasmo certamente tem a ver com isso. Interessante observar que apesar de os músicos da banda de Lulu Santos terem participado da canção anterior, essa gravação é que lembra um pouco o estilo de Lulu, o solo com um efeito de teclado simulando uma cítara acentua a semelhança. Ah, e ainda tem o assobio do cara durante o solo, ele também manda muito bem nesse quesito!


3. A MULHER QUE EU AMO

Canção lançada originalmente em 2009 na trilha sonora de mais uma telenovela e apesar desse apoio extra na divulgação acabou não emplacando. Instrumental também sob o comando de Tutuca Borba que executa piano, cordas (no teclado) e assina o arranjo.

4. A VOLTA

A primeira gravação dessa composição foi registrada pelos Vips em 1965 e foi um grande sucesso na época, a gravação de Roberto em 2004 também integrou a trilha de uma novela global, foi incluída como faixa bônus na segunda edição do disco “Roberto Carlos Ao Vivo No Pacaembu” e no álbum de 2005. Destaque para a guitarra à la Dire Straits tocada por Paulinho Ferreira e os vocais de Roberto que registrou também aquela bela segunda voz como só ele sabe fazer. Completando a ficha técnica tem Jurim Moreira na bateria, Dedé Marquez na percussão, Dárcio Ract no baixo, Paulinho Galvão no violão e Tutuca Borba nos teclados e piano.


Ainda: Um vídeo postado num blog sobre Roberto Carlos do meu amigo Baratta mostra a primeira vez que RC cantou "Esse Cara Sou Eu" em um show (para conferir clique AQUI). Segundo um site (que não me lembro agora), a nova canção teria sido a mais aplaudida da noite. Espero que sirva de estímulo para que ele continue apostando em material inédito (ou regravações relevantes)!