sábado, dezembro 31, 2011

Um Fim De Semana com Chet Baker





Num fim de semana caseiro no mês passado, acabei assistindo quatro DVD´s de Chet Baker, quase sem pausa . Três deles são dedicados a shows, e um se trata do documentário Let´s Get Lost sobre a vida do músico. Uma verdadeira pletora de pérolas musicais de comovente emoção, ainda mais quando se vê em tão curto tempo um vídeo em que ele aparece razoavelmente jovem e aparentando estar bem fisicamente e noutro instante o encontramos já extremamente debilitado devido aos abusos com o uso de drogas que cometeu durante toda a vida e aparentando ter pelo menos 20 anos a mais do que a sua idade real, porém, em ambos os casos o músico consegue deixar fluir sua arte com genialidade. Chet é um dos casos não muito comuns em que um grande instrumentista se mostra também um cantor excepcional. Ele é um tipo de gênio ao qual ninguém, nem mesmo o mais leigo dos mortais (estou falando de mim mesmo), consegue passar indiferente à sua arte, assim como quando se vê um quadro de Picasso ou uma obra de Niemeyer.

Os títulos em questão:

Live ’64 & ‘79

O primeiro show foi gravado para a TV belga e se trata do programa Jazz Pour Tous. Quando o vídeo começa tem-se a impressão que se trata de uma cena de um filme, você fica esperando os atores entrarem, mas a atuação impecável fica mesmo por conta de Chet e sua banda que conta com René Urtreger ao piano, Luigi Trussardi no baixo e Franco Manzacchi na bateria e Jacques Pelzer no sax alto e flauta. Um pecado dizer isso, mas esse vídeo vale até sem o som, a fotografia e os enquadramentos produzem belíssimas imagens não muito comuns de se verem se tratando de um programa televisivo. O segundo show traz uma perfomance gravada em 1979 acompanhada de uma entrevista onde ele confessa logo no início que não gosta de rock (o rockngeral entende e o perdoa), mas isso não impediu que anos mais tarde ele gravasse com o rockeiro punk Elvis Costello que inclusive participa de um dos shows da lista que se segue. A banda que o acompanha é o Chet Baker Quartet com a incomum formação de trompete, piano(Michel Grailler), baixo (Jean Luis Reassenfosser) e vibrafone (Wolfgang Lackschmid).

Live At Ronnie Scott´s (1986)

Para mim o mais tocante do pacote, a começar pela abertura com uma grande dose de dramaticidade em que a câmera se concentra por alguns segundos no rosto extremamente triste e debilitado do músico antes que ele toque as primeiras notas. Acompanhado pelo piano de Michel Graillier e o baixo Riccardo Del Fra, ele recebe as participações especiais de Van Morrison e Elvis Costello. Esse DVD também traz uma entrevista com o músico. Singelo e sublime.




The Complete Tokyo (1987)

Mais uma vez em formato quarteto, dessa vez mais tradicional formado por Harold Danko na bateria, Hein Van de Geijn no baixo e John Engels ao piano, Chet faz uma de suas últimas perfomances pouco antes de sua morte trágica em 1988, quando caiu (ou se atirou) de um quarto de hotel em Amsterdã. 






Let´s Get Lost

Por fim, o documentário Let´s Get Lost de Bruce Weber, todo em preto e branco mostra a trajetória tensa que foi a vida de Chet Baker com entrevistas com o próprio, além de familiares, amigos, músicos e produtores. Cenas e mais cenas preciosas de arquivo, do músico no dia-a-dia e nas últimas gravações. Mais que um documento musical, esse é um grande documento humano. Weber mostra com imparcialidade o lado bom e o não tão louvável do homem Chesney Henry Baker Jr. e a genialidade do artista Chet Baker. Se você não curte jazz, mas gosta de filmes e boas estórias, pode ver esse documentário só por isso. Mas eu tenho certeza que não vai passar batido por Chet Baker. Não mesmo.

terça-feira, dezembro 20, 2011

I Me Mine - A Autobiografia de George Harrison




A leitura da vez é a autobiografia de George Harrison, I Me Mine, lançada originalmente pela Genesis Publications em 1980 numa edição limitada de apenas duas mil cópias e tem seu título emprestado de uma de suas canções da fase-beatle, lançada no disco Let It Be, a edição que chegou às minhas mãos é a de 2002 lançada pela Chronicle Books e tem uma introdução assinada pela sua viúva Olivia Harrison . O livro não chega a ser mesmo o que se poderia chamar de uma biografia, o texto não é muito linear e embora siga uma ordem cronológica, George pula fases e acontecimentos importantes. Ele consiste em três partes sendo que na primeira George narra para seu ghost-writer Derek Taylor, ex-assessor de impressa dos Beatles os fatos que ele queria desabafar da sua vida. Derek Taylor adiciona notas no decorrer da narrativa esclarecendo alguns detalhes e dando uma visão mais histórica dos fatos. Sobre os Beatles, George deve ter suposto que todo mundo já sabe tudo e se resumiu mais aos bastidores e mostrar o lado chato da Beatlemania para quem era um beatle. Nesse caso, o beatle que provavelmente se divertiu menos com aquilo tudo. (Realmente deve ser horrível ganhar milhões de dólares, conquistar número igual de admiradores do seu trabalho que exaltam sua genialidade e ter um monte de garotas lindas correndo atrás de você por todos os cantos. Pensando nisso eu até desmanchei uma banda que eu tinha há uns anos atrás quando o risco dela se tornar um sucesso mundial se tornou iminente. Quem pensa diferente do George e de mim é seu ex-parceiro de banda Paul McCartney que não satisfeito com os resultados da Beatlemania, criou os Wings depois do fim dos Beatles que resultou na Wingsmania, e continua a carreira solo difundindo a Maccamania em qualquer país onde ele pise para fazer um concerto. Pobre Paul, deve ser um saco levar a vida assim).

Brincadeiras à parte, é muito honesto quando George reclama de algumas situações que eles passaram como o caso de Manila, nas Filipinas, quando foram quase linchados por não comparecem a uma festa da família real; os eventos formais que eles tinham que comparecer, as autoridades que eram obrigados a receber, a falta de liberdade para sair normalmente às ruas sem o assédio louco das fãs e todo tipo de pressão que eles sofriam que culminou na sua frase: “eles (o público) nos deram seu dinheiro e nós lhes demos nossos sistemas nervosos”. Enfim, é o preço que se paga.  Será que ele abriria mão de todo o lance beatle para ser um simples herói da classe trabalhadora inglesa? Ou trocaria os rendimentos de um músico mundialmente famoso pelos de um jardineiro (que era seu grande hobby) como ele gostava de se auto-intitular? Abandonaria os jardins-quase-da-babilônia da sua casa-mansão-quase-castelo pelo quintal da casa da Rua Arnold Grove para viver feliz no anonimato? Todas as coisas passam e nenhuma delas é perfeita, George.

No mais, ele fala da Índia pela questão espiritual (tem também um trecho muito bom aonde ele comenta sobre seus estudos de cítara e das técnicas para se tocar o instrumento), do relacionamento com os humoristas do Monty Pyton que não por acaso são as passagens mais leves e alegres da narrativa e um pouco de Fórmula 1 nas pouco mais de 60 páginas reservadas a tal autobiografia que parece mais com trechos editados de uma entrevista do que um livro em si, porém, suficiente para ele reclamar tanto do lado chato que a popularidade rende que já estava quase me sentindo culpado por ser beatlemaníaco, fico aliviado de pelo menos nunca ter cruzado com ele e o incomodado pedido um autógrafo ou tentando explicar em 15 segundos como sua música foi importante para mim. Sem se preocupar com detalhes, ele corta da fase Hamburgo direto para a Beatlemania nos EUA, não comenta sobre processos de gravação, não aborda quase nada da carreira solo, enfim tudo soa muito vago e superficial para um livro que pretendia ser uma biografia, até porque nem mesmo da sua vida ele fala muito. E o John Lennon ainda ficou sentido por achar que não teve seu nome citado como deveria no livro, mas ele aparece lá mais do que qualquer um dos outros Beatles e das duas esposas do George ou seu filho Dhani. O texto é entremeado com alguns belos desenhos que são um ponto positivo do livro, eles mostram desde localidades das cidades de Liverpool e Londres a violões e figuras orientais, sobra espaço até para um Porsche de George.

A segunda parte é dedicada às fotografias, uma sequência de imagens em preto e branco, com algumas fotos raras do arquivo pessoal do músico. Mas o grande valor desse livro está mesmo na terceira parte, um capítulo com todas suas letras comentadas por ele mesmo que revela uma série de fatos interessantes acerca das canções, pena que por ter sido escrito em 1980 e não tenha tido uma versão atualizada não contenha comentários sobre as canções dos trabalhos subseqüentes de George. Um detalhe especial são as reproduções de todas as letras nos originais escritos à mão por George, "Don´t Bother Me" e "Think For Yourself" foram reescritas por ele na época do lançamento porque ele não disponibilizava mais dos seus originais. Em alguns casos, as folhas originais mostram alguns desenhos de George que carregam alguma relação com o conteúdo da letras.

O capítulo da “autobiografia” acaba deixando uma sensação triste que eu sempre tive de um George rancoroso (como acho que também sou) embora aparentemente espiritualizado (como acho que também sou). Penso que ele passou todo esse tempo procurando um pouco de paz e harmonia para sobreviver nesse mundo cão, espero que tenha encontrado nas quase duas décadas de vida seguintes ao livro e onde estiver agora. Hare Khrisna.

sábado, dezembro 10, 2011

Feriado em BH



Oito de dezembro. Relembro aqui mais uma vez do dia das mortes de John e Tom e do show do Police no Maracanã em 2007. Dessa vez longe da cidade maravilhosa, me encontro na minha amada/odiada Belo Horizonte. Feriado, dia da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, apesar disso, um dia de trabalho para mim. Eu gosto de BH em dia de feriado, cidade vazia, ruas com pouco movimento, trânsito quase parado, é bom para quem gosta de vagar pelas ruas e ver coisas que não se vê na correria dos dias comuns. Depois da labuta, preguiça de voltar para casa, o clima sugere um “buteco” no fim da tarde e lá vou. Rua da Bahia no centro, um bar que embora tenha sido o mais freqüentado nos últimos tempos eu nem sei o nome e não faço força para saber, para mim é o bar da Bahia e pronto. É assim que os amigos que o freqüentam comigo também o chamam. Porém, hoje a cerveja é solitária, como gosto de beber às vezes. Sentado, cerveja servida, Miles Davis no headphone e umas mexidas na internet pelo smartphone, coisa inimaginável para mim até uns poucos meses atrás, quando nem sequer usava celular (ainda prefiro o nome do bichinho no português de Portugal, “telemóvel”, tentei adotar o termo aqui, mas sempre soa estranho pros outros e eu ainda precisava explicar às vezes o que era). Sozinho sempre se observa mais, o movimento das outras mesas, os prédios do outro lado da rua e a gente mesmo. O garçom pergunta pelo amigo que entre outros sempre vai lá comigo, explico que hoje eu tinha ido por acaso, no último minuto antes de pegar o ônibus de volta para casa. Vem-me em mente a idéia de fazer uma música falando de um feriado em BH, o começo da letra me surge na cabeça, mas não tenho ânimo para continuar, penso que se meu amigo e parceiro musical Eduardo estivesse presente provavelmente faríamos a letra na hora como já fizemos outras vezes em mesa de bar e esse tema inclusive seria perfeito para ele, acho que ele entenderia (entende) muito bem o que eu gostaria de dizer nessa letra e tentarei dizer nesse texto, embora ache que não dá para exprimir de forma muito direta sem empréstimos poéticos.

De repente, bate uma saudade da Praça da Liberdade, penso comigo: “feriado, deve estar vazia com uma meia dúzia de punks por lá tocando violão no coreto”, como não custava muito chegar até lá, bastava subir alguns quarteirões a mais da rua, me pus a andar. No caminho, opa, um engarrafamento! Hein? Feriado em BH e um engarrafamento enorme? Mais para cima vejo um bom número de pessoas descendo a rua e avistando a praça de longe me dei conta da recém inaugurada iluminação de natal. Ah tá, todo mundo aproveitou o feriado para ir lá ver, e até que o trem ficou bonito, segurei meu lado chato para não ficar questionando quanto custou aquilo tudo, em algumas árvores umas luzes fazem um efeito de neve caindo (o eterno desejo caboclo de ser europeu, norte-americano ou qualquer país “chique” onde neve). Devido aos efeitos diuréticos da cerveja precisei de um banheiro, dei umas duas voltas pela praça procurando um sanitário químico e não achei nenhum, se tinha, estava bem escondido, tão bem escondido quanto o governador que se mandou do Palácio do Governo que fica na praça para a tal Cidade Administrativa lá nos confins do Judas, perto da cidade e Aeroporto de Confins. Super estratégico, fica longe do povo, das manifestações e ainda é uma ótima rota de fuga caso seja necessária algum dia. Enfim, a procura por um banheiro acabou me levando até a Biblioteca Pública que também fica pertinho da praça e devido a alguma atividade especial estava aberta àquela hora da noite. Estava com saudades de lá também, não do banheiro, mas da biblioteca, costumava passar um bom tempo durante a adolescência lá, hoje tento ir, mas o tempo não permite muito e os curtos rendimentos do trabalho pelo menos têm dado para comprar alguns livros que normalmente eu tomaria emprestados lá, ainda que também gostasse de freqüentar a sala de jornais e revistas e ficar lendo por lá. É um dos lugares que mais gosto na cidade.

No retorno até a praça testemunho a enorme presença de camisas do Cruzeiro em detrimento de nenhuma do Atlético-MG, reflexos da histórica goleada de 6 a 1 aplicada pelo time celeste sobre o arqui-rival no fim de semana na última rodada do Campeonato Brasileiro. Aparecem duas camisas do Grêmio e uma do Corinthians que se sagrou campeão esse ano no dia da morte de um de seus (e meus) maiores ídolos, o Dr. Sócrates...grande perda. Junto com o Zico ele foi um dos grandes heróis da minha infância que não jogou no meu time (o Cruzeiro Esporte Clube para quem não sabe). É a vida. Pego outra cerveja, como um acarajé nada baiano e volto para casa quase triste. Quase feliz.