quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Renaissance - Ashes Are Burning (1973)



Não sei dizer ao certo como a banda Renaissance entrou em minha vida, não recordo de ninguém que houvesse me falado dela antes que eu comprasse esse disco, cujo local da compra também não me vem em mente (normalmente eu costumo lembrar onde e quando comprei cada disco da minha coleção). O que posso dizer é que foi um disco pelo qual me apaixonei assim que coloquei pra tocar, logo de cara, na primeira música. Eles fazem o tipo de rock progressivo que eu curto, sem exibicionismos técnicos tolos, sem longos solos que se perdem no meio do caminho, simplesmente boas canções bem trabalhadas e vestidas com arranjos sob medida, executadas por músicos para lá de competentes que não precisam provar nada para ninguém e não tocam como quem está se digladiando com o companheiro em busca de atenção e sabem incorporar a influência da música erudita em seu som de forma natural e não pretensiosa. É isso que eu ouço no disco Ashes Are Burning, no qual a banda que teve dezenas de formações conta com John Tout nos teclados e vocais, Annie Haslam nos vocais, John Camp no baixo, violão e vocais, Terence Sullivan na bateria, percussão e vocais e Michael Dunford que apesar de autor de praticamente todas as músicas do disco (com exceção de On The Frontier de McCarty/Thatcher) ao lado da poetisa Betty Thatcher aparece creditado como participação especial ao violão.

Can You Understand já me ganhou de início com sua bela introdução de piano e o ritmo envolvente sustentando por violão, baixo e bateria, lembrando um pouco a música celta, a música folclórica inglesa é uma forte referência da banda. Depois de uma breve pausa, surge um coro à capela com uma curta melodia de características medievais que prepara para a entrada da voz angelical de Annie Haslam endossada por um belo arranjo de cordas de Richard Hewson, aliás, os arranjos do Renaissance são de uma riqueza e um bom gosto que não deixa nem mesmo suas composições mais longas caírem no tédio. Na ocasião da compra do disco, há pelo menos quinze anos atrás, Let It Grow era a única música que eu conhecia de cabeça do Renaissance devido a uma eventual execução em rádios, balada espetacular tendo o piano mais uma vez na condução principal. On The Frontier já tem o violão como fio condutor, mas sempre com um auxílio luxuoso do piano, baixo e bateria, a música é toda cantada em coro pela banda e tem um bonito interlúdio do contrabaixo.

Carpet Of The Sun mais uma vez com violão em primeiro plano é mais uma das melodias apaixonantes da banda com vocal perfeito de Annie Haslam com seus agudos suaves. Eles sempre optam por deixar os arranjos agradavelmente limpos e, ainda tem o excelente arranjo de cordas também assinado por Richard Hewson. At The Harbor abre com uma introdução ao piano extraída do Prelúdio - La Cathédrale Engloutie de Claude Debussy para desaguar numa melodia e dedilhado de violão de características da música renascentista, John Dowland me vem à mente. A canção título Ashes Are Burning também inicia-se ao piano sobre o qual o baixo aparece fazendo belas linhas melódicas  na introdução e a canção apresenta um suave crescendo com mais um vocal perfeito de Annie sobretudo no refrão com uma melodia pop comovente, na sequência, outro bom interlúdio do baixo e bateria no estilo cavalgada e um solo de cravo sucedido de outro ao órgão e um ao piano, tudo sobreposto com muito conhecimento de causa. Na segunda parte da canção o órgão acompanha a voz e uma guitarra surge pela primeira vez no disco, através da participação especial de Andy Powell em mais um belo solo evocando David Gilmour (não por acaso guitarrista de uma das bandas de Progressivo que mais me agradam). Ainda que por diversas vezes usem concepções de arranjos e instrumentações similares em momento algum as canções do disco soam “iguais” ou “fórmulas-feitas”, as letras de Betty Thatcher sempre apontam para um clima otimista, bem flower-power e por vezes fantasioso que se completa com perfeita harmonia ao som da banda. Ashes Are Burning é um show de musicalidade, criatividade e arte de uma grande banda em um de seus melhores momentos.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Engenheiros do Hawaii - Uma Breve Viagem Discográfica: Os Anos Gessinger, Licks & Maltz

1. Prefácio

Longe Demais das Capitais (1986)



Também chamada pelos fãs de Santíssima Trindade, a junção de Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz é a formação que podemos chamar de clássica dos Engenheiros do Hawaii e aquela que me fez gostar da banda, ainda hoje a minha predileta na seara nacional (levando-se em conta essa formação!) e por obra do acaso ainda não tinha aparecido aqui no rockngeral. Juntos eles lançaram sete discos, do segundo ao oitavo de sua discografia, porém julguei importante incluir o primeiro disco, antes da entrada do guitarrista Augusto Licks, ainda com Humberto Gessinger na guitarra e Marcelo Pitz no contrabaixo e completada por Carlos Maltz na bateria. A idéia inicial era comentar os oito discos em um único post como fiz em Uma Breve Viagem Discográfica com a banda TheCranberries, mas como achei que as resenhas dos discos dos Engenheiros ficariam bem maiores, resolvi optar por dividir os oito discos em duas postagens, tentando controlar ao máximo para não ficarem muito longos, mas logo nos comentários do primeiro disco, vi que não ia dar, decidi fazer uma postagem por disco mesmo, cujas publicações pretendo intercalar a publicações com outros temas (ainda não defini a periodicidade que irei postando sobre a discografia dos EngHaw, talvez uma por mês), então, sem mais delongas,  “voltemos enfim ao início”:
 
Humberto Gessinger (guitarras e vocal), Carlos Maltz (bateria, percussão e voz) e Marcelo Pitz (contrabaixo e voz) conheceram-se na faculdade de Arquitetura em Porto Alegre. Segundo a lenda, eles juntaram-se especificamente para tocar numa das festas da faculdade que aconteceria na noite de 11 de janeiro de 1985, no mesmo momento em que ocorria a estréia do Rock In Rio I, pois devido a uma greve as aulas se estenderam até o período de férias e os estudantes de lá não poderiam ir à Cidade do Rock no Rio de Janeiro para conferir as apresentações. Carlos Stein que depois viria a se tornar guitarrista da banda Nenhum de Nós também participou dessa formação pré-discográfica da banda que se iniciou com uma participação numa coletânea intitulada Rock Grande do Sul, na qual os Engenheiros participaram com as canções Sopa de Letrinhas e Segurança que reapareceriam em seu primeiro disco, porém com a segunda canção apresentando uma versão diferente. Embora seja o primeiro da banda, esse foi o último dos oito discos que eu adquiri e segundo o simpático vendedor que me atendeu, tratava-se do melhor disco deles. Longe Demais das Capitais não poderia abrir com outra canção que não fosse Toda Forma De Poder, embora o disco ainda não apresentasse o que seria conhecido como o som que se tornaria característico da banda, essa letra já trazia a marca de Humberto Gessinger com seu estilo crítico e político, tímido e agressivo, acidentalmente intelectual e aparentemente arrogante que tanto irritou a “crítica” dita especializada da época. Versos como o de abertura “Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada” ou “Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada” atestam isso. Ela conta com a participação do cantor e compositor gaúcho Nei Lisboa (com quem o futuro guitarrista da banda Augusto Licks tocava, tendo inclusive algumas parcerias) nos vocais e acabou tornando-se o hit do álbum, além de aparecer na trilha sonora da telenovela da Rede Globo, Hipertensão. Segurança reaparece aqui com versão diferente da lançada anteriormente na coletânea Rock Grande do Sul como disse anteriormente, tanto na letra quanto no arranjo instrumental e revela uma temática mais juvenil que apareceria em outras canções do disco. No saxofone, a participação especial de Manito d’Os Incríveis, banda da qual num futuro não muito distante os Engenheiros regravariam a versão da música italiana “Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e os Rolling Stones” relançada pelos Incríveis no auge da Jovem Guarda com grande êxito que seria repetido com a gravação dos Engenheiros. Segurança também foi incluída na trilha sonora da telenovela Corpo Santo da extinta TV Manchete, essa sempre foi uma forma muito eficaz de divulgar a música popular no Brasil e a gravadora da banda, RCA, aproveitou para incluir mais uma canção dos novos pupilos no esquema. Eu Ligo Prá Você, assim como Segurança e uma série de outras canções no disco tem uma influência do ska que vinha de uma grande repercussão especialmente por causa da banda The Police. Nossas Vidas tem mais ainda um pé no reggae, devido a essa fonte comum de influência, os Engenheiros chegaram a ser associados aos Paralamas do Sucesso que já vinham nessa onda desde o início da década quando apareceram no cenário nacional em 1983 e segundo Gessinger a própria gravadora pretendia lançá-los como uma espécie de “Paralamas dos Pampas”. “Eu já mandei em mandar tudo pro inferno, mas não pensei que fosse tão difícil ficar sozinho numa noite de inverno” suscita outra influência que apareceria vez por outra nas letras de Humberto que é a dupla Roberto e Erasmo Carlos. Fé Nenhuma é um pouco mais pesada e apresenta um bom riff de guitarra distorcida na introdução reforçado por uma das boas linhas de baixo de Pitz. Com seus versos “Não levo fé nenhuma em nada, mas ninguém tem o direito de me achar reacionário, não acredito no teu jeito revolucionário”, a música provavelmente ajudou a criar uma equivocada imagem niilista que a banda tinha. Beijos Prá Torcida com uma levada que chega a ser quase um charleston (se é que não é) é mais um embrião do estilo de composição de Humberto que começava a se desenhar, mais especificamente em relação às letras: “Jogam bombas em Nova York, jogam bombas em Moscou/Como se jogassem beijos prá torcida depois de marcar um gol”. 

Todo Mundo É Uma Ilha, título de uma canção que depois viraria verso da música Terra De Gigantes renega a teoria do poeta John Donne de que ninguém é uma ilha, canção de um quase-amor juvenil, daqueles que nunca davam (dão) em nada (“Não me leve a mal, mas eu não to legal, quero ficar sozinho”) com o refrão “Você não sabe o que eu sinto, você não sabe quem eu sou” remetendo mais uma vez a Roberto e Erasmo em Eu Sou Terrível (“você não sabe de onde eu venho, o que eu sou, nem o que tenho”). A canção título fala da distância da cidade natal da banda, Porto Alegre em relação ao eixo Rio-São Paulo (“estamos longe demais das capitais”), hoje me soa estranho (talvez na época eu não me desse conta) uma banda batizar um álbum ou uma música que fosse com um título como esse, o que só gerou mais má interpretação sobre a banda, mas ainda assim, eles se justificariam dizendo no release do disco:  “viemos falar da nossa aldeia pra quem quiser ouvir”. Sweet Begônia é outro reggaezinho agradável do disco, com seu texto autodepreciativo (“você diz que eu tenho pouco quase nada a oferecer, tudo que eu faço você diz que está errado, você me acha um fracasso e eu não acho isso engraçado”) traçava um pouco do perfil da banda e de seus ouvintes. Humberto se sai muito bem no solo cheio de swing da canção. Nada A Ver também apresenta alguns versos que antecipam o estilo de letras de Humberto, cheio de imagens, citações de ícones pop, jogos de palavras e aliterações: “Um cão sem dono, uma árvore no outono, o nono mês de gravidez, eu perco o sono ao som de Yoko Ono e telefono prá vocês”. Crônica foi uma canção com certo destaque em shows na época, mas que depois de uma sumida do repertório acabou reaparecendo no disco Filmes de Guerra, Canções de Amor de maneira muito forte e se tornou fixa por um bom tempo no setlist da banda, “Todo mundo já tomou a Coca-Cola e a Coca-Cola já tomou conta da China, toda cara luta por uma menina e a Palestina luta prá sobreviver”, exemplifica mais uma vez a mistura maluca e tímida de política/amor que tantas vezes reapareceria na obra dos Engenheiros. Sopa de Letrinhas fecha essa primeira empreitada da banda e mais uma vez "dá um olá" para obra de Roberto e Erasmo “nosso amor é pós-moderno, eu quero que você se aqueça nesse inverno”, ela é assinada em parceria com Marcelo Pitz, as demais canções do disco são assinadas exclusivamente por Humberto Gessinger. 

O disco produzido pelo guitarrista Reinaldo B. Brito, tem algo de obscuro desd’ a capa apresentando uma paisagem campestre, o visual dos integrantes não muito à vontade e nenhum pouco descolado que não se parece com as músicas que em sua maior parte, com suas levadas alegres de ska/reggae, não se parecem com as letras bucólicas (Humberto diria que ska era a única coisa que ele sabia tocar na guitarra). Apesar de ainda não ter um instrumental vigoroso como eles apresentariam nos discos seguintes com a entrada de Augusto Licks na banda, ele é competente e tem aquela cara de primeiro disco super sincero de uma banda de rock que ainda não sabe o que quer, nem aonde quer chegar e talvez mesmo se recuse a querer chegar a algum lugar.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Keith Richards – Talk Is Cheap (1988)



Faz um bom tempo que eu queria comentar sobre esse álbum aqui, um “senhor” disco de Rock’n’Roll na sua mais completa essência. Talk Is Cheap é o primeiro álbum solo lançado por Keith Richards, o cara que é definitivamente a alma e o som dos Rolling Stones, digo isso sem o mínimo receio de estar errado, pois basta ouvir os trabalhos solos de Mick Jagger, por exemplo, para ver como soam um pop distante dos Stones, enquanto o disco de Keith traz em si a sonoridade da banda, a pulsação, o blues, a malandragem, tudo está lá. Guitarras, baixo e bateria em primeiro plano com um tecladinho aqui e ali, uma voz rouca e rascante que não se preocupa em soar perfeita (e se assim o fosse, não seria tão Rock’n’Roll).

O disco abre com Big Enough, música cheia de balanço com uma levada quebrada, baixo suingado tocado por Bootsy Collins e o sax de Maceo Parker dando um toque jazzístico improvisando por toda a faixa que conta ainda com o órgão de Bernie Worrell. Take Is So Hard é puro Stones, lembrando muito Start Me Up do disco Tattoo You de 1981 e Mixed Emotions do Steel Wheels que seria lançado no ano seguinte (1989), noutras palavras: um rockaço de primeira! Struggle segue na mesma linha, rock balançado e alto astral. I Could Have Stood You Up é um shuffle com destaque para o piano de Jonnhy Johnson e o sax de Bobby Keys, também músico de apoio dos Stones, assim como Chuck Leavell que aparece no órgão, além do ex-stone Mick Taylor na guitarra. Depois da porrada é chegada a hora da balada e assim como fez várias vezes nas suas incursões vocais nos Stones (vide Slipping Away, The Worst, entre outras), Keith manda a belíssima Make No Mistake em dueto com a cantora Sarah Dash, balada como só um verdadeiro rockeiro sabe fazer, para tomar um scotch e pensar naquela guria especial (ou talvez em todas elas). Mas para não ficar se lamentando, até porque o Rock nasceu para exorcizar a tristeza, Keith fecha o lado A (estou comentando a partir do vinil, ok?) com You Don’t Move dando aquele “chega pra lá” na mesma guria (ou nas mesmas).

O lado B vem na mesma pegada “isso que é Rock de verdade” com How I Wish, segue com a levada meio bebop de Rockwhile e emenda com a pulsante Whit It Up ambas com belos backing vocals de Sarah Dash e Patti Scialfa. Outra balada muito boa e que só reafirma o talento do compositor Keith Richards é Locked Away que tem uma leve sonoridade country reforçada pelo violino Michael Doucet. O disco encerra com It Means A Lot mantendo a linha do mesmo rock de classe que Keith desfila por todo o álbum. Todas as composições são assinadas por Keith em parceria com o baterista Steve Jordan com quem também dividiu a produção. Keith em momento algum parece tentar seguir a linha dos Stones, ele simplesmente está sendo ele mesmo, o que acontece é que ser ele mesmo é ser os Stones!

Keith Richards guitarra e voz
Charley Drayton – baixo
Bootsy Collins – baixo em Big Enough
Joey Spampinato – baixo em I Could Have Stood You Up e Rockwhile
Jimmi Kinnard – baixo em Make No Mistake
Steve Jordan – bateria, percussão e backing vocals
Ivan Neville – piano e teclados
Johnny Johnson – piano em I Could Have Stood You Up
Chuck Leavell – órgão em I Could Have Stood You Up
Bernie Worrel – órgão em Big Enough e You Don´t Move Me e clavinete em Make No Mistake e Rockawhile
Waddy Watchtel – violão guitarra, slide guitar e assistente de produção
Mick Taylor – guitarra em I Could Have Stood You Up
Sarah Dash – backing vocals e voz em Make No Mistake
Patti Scialfa – backing vocals
Michael Doucet – violino em Locked Away
Stanley “Buchwheat” Dural – acordeom em You Don´t Move Me, Rockwhile e Locked Away
Bobby Keys – saxophone tenor em I Could Have Stood You Up e Whip It Up
The Memphis Horns – metais
Willie Mitchell – arranjos de metais


Primeiro e demorado post do ano que começa com minha promessa de tentar manter uma regularidade maior nas postagens, como diz o título do disco do Keith, talk is cheap (falar é fácil) por isso só digo que tentarei, tentarei...e se a mensagem de ano novo de 2012 aos leitores do rockngeral foi inspirada no álbum Ram do Paul McCartney buscando otimismo, a dessa ano fica por conta desse disco do Keith: então vamos deixar de conversa fiada e fazer mais! Grande abraço a todos e um ótimo ano!