Não sei dizer ao certo como a banda Renaissance entrou em minha vida, não
recordo de ninguém que houvesse me falado dela antes que eu comprasse esse
disco, cujo local da compra também não me vem em mente (normalmente eu costumo
lembrar onde e quando comprei cada disco da minha coleção). O que posso dizer é
que foi um disco pelo qual me apaixonei assim que coloquei pra tocar, logo de
cara, na primeira música. Eles fazem o tipo de rock progressivo que eu curto,
sem exibicionismos técnicos tolos, sem longos solos que se perdem no meio do
caminho, simplesmente boas canções bem trabalhadas e vestidas com arranjos sob
medida, executadas por músicos para lá de competentes que não precisam provar
nada para ninguém e não tocam como quem está se digladiando com o companheiro
em busca de atenção e sabem incorporar a influência da música erudita em seu
som de forma natural e não pretensiosa. É isso que eu ouço no disco Ashes Are Burning, no qual a banda que
teve dezenas de formações conta com John
Tout nos teclados e vocais, Annie
Haslam nos vocais, John Camp no
baixo, violão e vocais, Terence Sullivan
na bateria, percussão e vocais e Michael
Dunford que apesar de autor de praticamente todas as músicas do disco (com
exceção de On The Frontier de
McCarty/Thatcher) ao lado da poetisa Betty
Thatcher aparece creditado como participação especial ao violão.
Can You Understand já me ganhou de início com sua
bela introdução de piano e o ritmo envolvente sustentando por violão, baixo e
bateria, lembrando um pouco a música celta, a música folclórica inglesa é uma
forte referência da banda. Depois de uma breve pausa, surge um coro à capela
com uma curta melodia de características medievais que prepara para a entrada
da voz angelical de Annie Haslam endossada por um belo arranjo de cordas de Richard Hewson, aliás, os arranjos do
Renaissance são de uma riqueza e um bom gosto que não deixa nem mesmo suas
composições mais longas caírem no tédio. Na ocasião da compra do disco, há pelo
menos quinze anos atrás, Let It Grow
era a única música que eu conhecia de cabeça do Renaissance devido a uma
eventual execução em rádios, balada espetacular tendo o piano mais uma vez na
condução principal. On The Frontier
já tem o violão como fio condutor, mas sempre com um auxílio luxuoso do piano,
baixo e bateria, a música é toda cantada em coro pela banda e tem um bonito interlúdio
do contrabaixo.
Carpet Of The Sun mais uma vez com violão em
primeiro plano é mais uma das melodias apaixonantes da banda com vocal perfeito
de Annie Haslam com seus agudos suaves. Eles sempre optam
por deixar os arranjos agradavelmente limpos e, ainda tem o excelente
arranjo de cordas também assinado por Richard Hewson. At The Harbor abre com uma introdução ao piano extraída do Prelúdio - La Cathédrale Engloutie de Claude Debussy para desaguar numa melodia e dedilhado de violão de
características da música renascentista, John
Dowland me vem à mente. A canção título Ashes Are Burning também inicia-se ao piano sobre o qual o baixo
aparece fazendo belas linhas melódicas na introdução e a canção apresenta um suave
crescendo com mais um vocal perfeito de Annie sobretudo no refrão com uma melodia pop comovente, na sequência, outro bom interlúdio do baixo e
bateria no estilo cavalgada e um solo de cravo sucedido de outro ao órgão e
um ao piano, tudo sobreposto com muito conhecimento de causa. Na segunda parte da
canção o órgão acompanha a voz e uma guitarra surge pela primeira vez no disco, através da participação especial de Andy
Powell em mais um belo solo evocando David
Gilmour (não por acaso guitarrista de uma das bandas de Progressivo que
mais me agradam). Ainda que por diversas vezes usem concepções de arranjos e
instrumentações similares em momento algum as canções do disco soam “iguais” ou
“fórmulas-feitas”, as letras de Betty Thatcher sempre apontam para um clima
otimista, bem flower-power e por vezes fantasioso que se completa com perfeita
harmonia ao som da banda. Ashes Are Burning é um show de musicalidade,
criatividade e arte de uma grande banda em um de seus melhores momentos.