domingo, março 31, 2013

Engenheiros do Hawaii - Uma Breve Viagem Discográfica: Os Anos Gessinger, Licks & Maltz

2. Capítulo I

A Revolta dos Dândis (1987)



Uma característica da banda sempre foi nadar contra a maré, acredito que nem sempre isso tenha sido proposital, mas numa década em que tudo soava pop demais, em especial o ano de 1987 quando quase todos os discos pareciam ter o mesmo som (por mais distante que os estilos pudessem ser) gerado por baterias eletrônicas, sintetizadores e toda a parafernália que veio com a evolução do áudio digital que começava a tomar conta do mercado e foi usada sem moderação alcançando seu ápice naquele momento (claro que houve quem usasse essas “novidades” com extrema competência como o fez Michael Jackson em Bad, seu disco daquele ano), os Engenheiros do Hawaii lançaram um álbum com sonoridade totalmente “setentista”, reforçado pelo uso de guitarras e amplificadores Fender e Gibson, baixo Rickenbacker, violão Martin, gravado praticamente sem overdubs, um som cru e direto com uma nova linha de arranjos que se adequava mais às temáticas das letras, produzindo climas mais melancólicos e roqueiros, talvez esse tenha sido o primeiro forte efeito da entrada de Augusto Licks (vindo da banda do cantor e compositor Nei Lisboa) na banda assumindo a guitarra e Humberto Gessinger se deslocando da guitarra para o contrabaixo com a saída de Marcelo Pitz, unidos à bateria de Carlos Maltz, eles comporiam o power trio que foi formação definitiva dos Engenheiros. 

O disco, cujo nome é emprestado de um capítulo do livro O Homem Revoltado de Albert Camus e que assim como seu antecessor, Longe Demais das Capitais também foi produzido por Reinaldo Barriga Brito, abre com a canção título acrescida da numeração I, já flertando com o rock progressivo e seus cacoetes como o costume de enumerar as músicas ou dividi-las em partes, as letras de Humberto Gessinger apresentam um grande salto qualitativo já nos primeiros versos inspirados no citado livro de Camus, "entre o rosto e o retrato, o real e o abstrato, entre a loucura e a lucidez, entre o uniforme e a nudez, entre o fim do mundo e o fim do mês" numa série de paralelos que deságua na irônica comparação "entre a verdade e o rock inglês". No instrumental a condução principal é do violão e uma harmônica aparece fazendo o solo da introdução, outra marca da presença de Augusto Licks na banda, o baixo mixado num alto volume também é marcante na levada da música. Terra de Gigantes conduzida apenas por duas guitarras tocadas por Humberto e Augusto que executa seu primeiro belo solo numa gravação dos Engenheiros. A bateria de Carlos Maltz entra apenas fazendo uma curta virada e saindo da música instantaneamente como forma de afrontar o diretor da gravadora que ao ouvir a canção sugeriu que se eles colocassem bateria na faixa ela se tornaria um hit, o que realmente aconteceu mesmo depois deles terem dispensando a sugestão do diretor e ainda excluíram sua letra do encarte que em contrapartida traz a letra de Sweet Gardênia (essa seria a primeira parceria registrada por Maltz e Gessinger que assina sozinho todas as canções do disco), uma música que não consta no disco (e jamais foi lançada oficialmente pela banda, embora atualmente uma gravação da mesma circule pela internet), coisas dos Engenheiros do Hawaii. O verso inicial da canção arrebataria boa parte da geração de rockeiros que se fazia e que viria depois: "Hey mãe, eu tenho uma guitarra elétrica, durante muito tempo isso foi tudo que eu queria ter". Na sequência, a música que se tornaria o maior sucesso da banda, Infinita Highway, apesar dos protestos dos diretores da gravadora de que a música era longa demais com a letra igualmente extensa (e que também traz citação a outro filósofo existencialista, Jean-Paul Sartre, "a dúvida é o preço da pureza"), sem refrão e pouca instrumentação, o que levou a gravadora a lançar nas rádios, à revelia da banda, uma versão acrescida de teclados, metais e percussão logo vetada pela banda. E foi com a guitarra limpa executando frases bluseiras, o baixo marcante e a bateria simples e firme que ela despontaria a banda de vez no cenário nacional. Refrão de Bolero, outro clássico da banda (que na verdade só veio a fazer sucesso mesmo três anos depois numa versão ao vivo com arranjo totalmente diferente no qual Humberto troca o contrabaixo por um teclado) tem Augusto Licks dando um show na guitarra desde o efeito de volume na introdução até culminar num solo espetacular no final depois do tema principal ser apresentando de maneira arrastada e propositalmente monótona e deprê, uma das melhores letras na linha mais "romântica" de Humberto ("coração na mão como um refrão de bolero, eu fui sincero como não se pode ser"). Filmes de Guerra, Canções de Amor que viria a se tornar título do derradeiro disco da formação apresenta um dueto vocal entre Humberto e Carlos com uma letra quilométrica com boas frases de efeito de Humberto: "os dias parecem séculos e se parecem uns com os outros, como enfermeiras nos filmes de guerra e violinos nas canções de amor", "não tenho medo de perder a guerra, pois no fim da guerra todos perdem".

A Revolta dos Dândis II abre o lado B com o mesmo riff d’ A Revolta dos Dândis I executados pelo contrabaixo e o violão e a exemplo da primeira, traz um jogo de comparações: "já não vejo a diferença entre os dedos e os anéis, já não vejo a diferença entre a crença e os fiéis" e também apresenta um solo de harmônica. Além dos Out-Doors começa a esboçar o estilo que o trio viria a ter nos anos seguintes numa grande performance instrumental de Gessinger, Licks & Maltz. O padrão começava a ser estabelecido. Vozes traz Augustinho no órgão Hammond e Humberto na guitarra de 12 cordas com Carlos invariavelmente na bateria, no final da canção aparece pela primeira vez um riff que eles voltariam a repetir em outros momentos da discografia, na canção Várias Variáveis (do disco homônimo) e A Verdade A Ver Navios (de Ouça O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém). Quem Tem Pressa Não Se Interessa aparece num atípico arranjo instrumental construído apenas por baixo e bateria e Humberto joga mais uma de suas frases contundentes: "eles têm razão, mas razão é só o que eles têm". Desd'aquele Dia traz de volta a faceta "tentativa de canção romântica" de Humberto com uma quase total falta de jeito para tocar no assunto que me agrada muito "Desd'aquele dia nada me sacia, minha vida tá vazia, desd'aquele dia, parece que foi ontem, parece que chovia". Fechando o segundo disco dos Engenheiros e primeiro do trio Gessinger, Licks e Maltz, Os Guardas da Fronteira com a participação do também gaúcho Júlio Reny nos vocais e com nova citação à Sartre ("acontece que eu não tenho escolha por isso mesmo é que eu sou livre, não sou eu o mentiroso, foi Sartre quem escreveu o livro). Estava formado o trio, o time, assim como nas grandes bandas e equipes era estabelecido um equilíbrio; nesse caso, das composições, sobretudo as letras de Humberto com a guitarra e o tratamento musical dado por Augusto a essas canções somados ao suporte de Carlos, tudo o que faria a banda ser amada por uns e odiada por outros já aparecia nesse disco, as letras, o conceito das capas, nesse caso subdividida em nove partes com fotos mostrando os integrantes à distância, sem closes e a letra da canção título já exposta ali mesmo, trazendo ainda pela primeira vez as engrenagens que seriam outra marca registrada da banda, a cor amarela dava início a uma trilogia que enfocava as cores da bandeira do Rio Grande do Sul. Ainda no encarte, fotos de Roberto Carlos, Noel Rosa, Mané Garrincha, Vicente Celestino, um desenho do Eddie (o mascote da banda Iron Maiden) e todos os presidentes da República Nova partindo de JK até Leonel de Moura Brizola aparecendo como um provável (e desejado por eles) novo presidente substituindo José Sarney então no seu segundo ano de mandato. Mais do àqueles a quem eles queriam agradar, eles sabiam a quem queriam desagradar. E conseguiram! ( “Antes morrer de pé do que viver de joelhos”, diria Camus).



Em tempo: ele, o tempo, anda faltando e por isso nunca consigo postar com a regularidade que eu gostaria, essa série sobre os discos dos Engenheiros do Hawaii da Era Gessinger, Licks & Maltz eu tentarei postar com frequência mensal intercalado com outros temas.

P.S: Se alguém tiver uma imagem melhor da capa do disco A Revolta dos Dândis para me mandar, ficarei eternamente grato, pois essa foi a melhor que encontrei na internet, tenho o disco em vinil, mas não possuo uma dessas máquinas ultra modernosas que me permita fotografá-lo com qualidade muito melhor.

10 comentários:

  1. Eduardo Dornelas4/01/2013 11:10 AM

    Tem mais de 20 anos que eu pensava que "a dúvida é o preço da pureza" e não o peso.
    Muito bom o texto.Continue postando.

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  2. Há 20 anos que você pensa certo, Eduardo, o "peso" foi um erro de digitação desse que vos escreve, já devidamente corrigido no texto.

    Valeu!

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  3. Eduardo Dornelas4/01/2013 10:04 PM

    Apesar de gostar muito dessa música , nunca li a letra,então pensei que estava enganado todo esse tempo.

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  4. Não, Eduardo, pela primeira vez na vida você estava certo e eu errado, hauahuahua.

    Abraço!

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  5. Eduardo Dornelas4/04/2013 1:36 PM

    Nesse mesmo blog tem outro post que você estava errado eu eu certo.Lembra?

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  6. Lembro sim, mas como diria Dimas do Cavaco: "você vai querer me humilhar na frente do pessoal?" hauahuhauha

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  7. Bela postagem mano. Gosto das músicas desse disco, Refrão de Bolero, Infinita Highway, toquei demais nas bandas. To voltando aos poucos na internet rs. Muita coisa que eu não li ainda, não vi, não comentei, mas to voltando. Abraço mano

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  8. Get back, mano! Eu consigo me imaginar sem internet, já você não, hehe.

    Grande abraço!

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  9. Uma informação...O prédio do encarte se trata da Federal do RG, a UFRGS.Minha irma estudou um semestre lá, e conheceu meu cunhado gaúcho! Quando mostrei o lendário encarte, identificaram na hora!

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    1. Fui ali pegar o disco para conferir a foto do prédio, rs. Nunca soube que era da UFRGS. Valeu pela informação!

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