A Revolta dos Dândis
(1987)
Uma característica da banda
sempre foi nadar contra a maré, acredito que nem sempre isso tenha sido
proposital, mas numa década em que tudo soava pop demais, em especial o ano de
1987 quando quase todos os discos pareciam ter o mesmo som (por mais distante
que os estilos pudessem ser) gerado por baterias eletrônicas, sintetizadores e
toda a parafernália que veio com a evolução do áudio digital que começava a
tomar conta do mercado e foi usada sem moderação alcançando seu ápice naquele
momento (claro que houve quem usasse essas “novidades” com extrema competência
como o fez Michael
Jackson em Bad,
seu disco daquele ano), os Engenheiros do Hawaii lançaram um álbum com
sonoridade totalmente “setentista”, reforçado pelo uso de guitarras e
amplificadores Fender
e Gibson,
baixo Rickenbacker,
violão Martin,
gravado praticamente sem overdubs, um som
cru e direto com uma nova linha de arranjos que se adequava mais às temáticas
das letras, produzindo climas mais melancólicos e roqueiros, talvez esse tenha
sido o primeiro forte efeito da entrada de Augusto Licks
(vindo da banda do cantor e compositor Nei Lisboa) na
banda assumindo a guitarra e Humberto Gessinger
se deslocando da guitarra para o contrabaixo com a saída de Marcelo Pitz,
unidos à bateria de Carlos Maltz,
eles comporiam o power
trio que foi formação definitiva dos Engenheiros.
O disco, cujo nome é
emprestado de um capítulo do livro O Homem Revoltado
de Albert Camus
e que assim como seu antecessor, Longe Demais das Capitais também foi
produzido por Reinaldo Barriga Brito, abre com a canção título acrescida
da numeração I,
já flertando com o rock progressivo e seus cacoetes como o costume de enumerar
as músicas ou dividi-las em partes, as letras de Humberto Gessinger apresentam
um grande salto qualitativo já nos primeiros versos inspirados no citado livro
de Camus, "entre o rosto e o retrato, o real e o abstrato, entre a loucura
e a lucidez, entre o uniforme e a nudez, entre o fim do mundo e o fim do
mês" numa série de paralelos que deságua na irônica comparação "entre
a verdade e o rock inglês". No instrumental a condução principal é do
violão e uma harmônica aparece fazendo o solo da introdução, outra marca da
presença de Augusto Licks na banda, o baixo mixado num alto volume também é marcante
na levada da música. Terra de Gigantes
conduzida apenas por duas guitarras tocadas por Humberto e Augusto que executa
seu primeiro belo solo numa gravação dos Engenheiros. A bateria de Carlos
Maltz entra apenas fazendo uma curta virada e saindo da música
instantaneamente como forma de afrontar o diretor da gravadora que ao ouvir a
canção sugeriu que se eles colocassem bateria na faixa ela se tornaria um
hit, o que realmente aconteceu mesmo depois deles terem dispensando a
sugestão do diretor e ainda excluíram sua letra do encarte que em contrapartida
traz a letra de Sweet Gardênia (essa seria a primeira parceria registrada por Maltz e Gessinger
que assina sozinho todas as canções do disco), uma música que não consta no
disco (e jamais foi lançada oficialmente pela banda, embora atualmente uma
gravação da mesma circule pela internet), coisas dos Engenheiros do Hawaii. O
verso inicial da canção arrebataria boa parte da geração de rockeiros que se
fazia e que viria depois: "Hey mãe, eu tenho uma guitarra elétrica,
durante muito tempo isso foi tudo que eu queria ter". Na sequência, a
música que se tornaria o maior sucesso da banda, Infinita Highway,
apesar dos protestos dos diretores da gravadora de que a música era longa
demais com a letra igualmente extensa (e que também traz citação a outro
filósofo existencialista, Jean-Paul Sartre, "a dúvida é o preço da
pureza"), sem refrão e pouca instrumentação, o que levou a gravadora a
lançar nas rádios, à revelia da banda, uma versão acrescida de teclados, metais e percussão
logo vetada pela banda. E foi com a guitarra limpa executando frases bluseiras,
o baixo marcante e a bateria simples e firme que ela despontaria a banda de vez
no cenário nacional. Refrão de Bolero,
outro clássico da banda (que na verdade só veio a fazer sucesso mesmo três anos
depois numa versão ao vivo com arranjo totalmente diferente no qual Humberto
troca o contrabaixo por um teclado) tem Augusto Licks dando um show na guitarra
desde o efeito de volume na introdução até culminar num solo espetacular no
final depois do tema principal ser apresentando de maneira arrastada e
propositalmente monótona e deprê, uma das melhores letras na linha mais
"romântica" de Humberto ("coração na mão como um refrão de
bolero, eu fui sincero como não se pode ser"). Filmes de Guerra,
Canções de Amor que viria a se tornar título do derradeiro disco da
formação apresenta um dueto vocal entre Humberto e Carlos com uma letra
quilométrica com boas frases de efeito de Humberto: "os dias parecem
séculos e se parecem uns com os outros, como enfermeiras nos filmes de guerra e
violinos nas canções de amor", "não tenho medo de perder a guerra,
pois no fim da guerra todos perdem".
A Revolta dos Dândis II abre o lado B com o mesmo riff d’ A Revolta dos Dândis
I executados pelo contrabaixo e o violão e a exemplo da primeira, traz um
jogo de comparações: "já não vejo a diferença entre os dedos e os anéis,
já não vejo a diferença entre a crença e os fiéis" e também apresenta um
solo de harmônica. Além
dos Out-Doors começa a esboçar o estilo que o trio viria a ter nos anos
seguintes numa grande performance instrumental de Gessinger, Licks & Maltz. O padrão começava a ser estabelecido. Vozes traz
Augustinho no órgão Hammond e Humberto na guitarra de 12 cordas com
Carlos invariavelmente na bateria, no final da canção aparece pela primeira vez
um riff que eles voltariam a repetir em outros momentos da discografia, na
canção Várias
Variáveis (do disco homônimo) e A Verdade A Ver
Navios (de Ouça
O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém). Quem Tem Pressa Não
Se Interessa aparece num atípico arranjo instrumental construído apenas por
baixo e bateria e Humberto joga mais uma de suas frases contundentes:
"eles têm razão, mas razão é só o que eles têm". Desd'aquele Dia traz
de volta a faceta "tentativa de canção romântica" de Humberto com uma
quase total falta de jeito para tocar no assunto que me agrada muito
"Desd'aquele dia nada me sacia, minha vida tá vazia, desd'aquele dia,
parece que foi ontem, parece que chovia". Fechando o segundo disco dos
Engenheiros e primeiro do trio Gessinger, Licks e Maltz, Os Guardas da
Fronteira com a participação do também gaúcho Júlio Reny nos
vocais e com nova citação à Sartre ("acontece que eu não tenho escolha por
isso mesmo é que eu sou livre, não sou eu o mentiroso, foi Sartre quem escreveu
o livro). Estava formado o trio, o time, assim como nas grandes bandas e
equipes era estabelecido um equilíbrio; nesse caso, das composições, sobretudo
as letras de Humberto com a guitarra e o tratamento musical dado por Augusto a
essas canções somados ao suporte de Carlos, tudo o que faria a banda ser amada
por uns e odiada por outros já aparecia nesse disco, as letras, o conceito das
capas, nesse caso subdividida em nove partes com fotos mostrando os integrantes
à distância, sem closes e a letra da canção título já exposta ali mesmo,
trazendo ainda pela primeira vez as engrenagens que seriam outra marca
registrada da banda, a cor amarela dava início a uma trilogia que enfocava as
cores da bandeira do Rio Grande do Sul. Ainda no encarte, fotos de Roberto Carlos, Noel Rosa, Mané Garrincha, Vicente Celestino,
um desenho do Eddie
(o mascote da banda Iron Maiden) e
todos os presidentes da República Nova partindo de JK até Leonel de Moura
Brizola aparecendo como um provável (e desejado por eles) novo presidente
substituindo José
Sarney então no seu segundo ano de mandato. Mais do àqueles a quem eles
queriam agradar, eles sabiam a quem queriam desagradar. E conseguiram! ( “Antes
morrer de pé do que viver de joelhos”, diria Camus).
Em tempo: ele, o tempo, anda
faltando e por isso nunca consigo postar com a regularidade que eu gostaria,
essa série sobre os discos dos Engenheiros do Hawaii da Era Gessinger, Licks
& Maltz eu tentarei postar com frequência mensal intercalado com outros
temas.
P.S: Se alguém tiver uma imagem melhor da capa do disco A Revolta dos Dândis para me mandar, ficarei eternamente grato, pois essa foi a melhor que encontrei na internet, tenho o disco em vinil, mas não possuo uma dessas máquinas ultra modernosas que me permita fotografá-lo com qualidade muito melhor.
P.S: Se alguém tiver uma imagem melhor da capa do disco A Revolta dos Dândis para me mandar, ficarei eternamente grato, pois essa foi a melhor que encontrei na internet, tenho o disco em vinil, mas não possuo uma dessas máquinas ultra modernosas que me permita fotografá-lo com qualidade muito melhor.
Tem mais de 20 anos que eu pensava que "a dúvida é o preço da pureza" e não o peso.
ResponderExcluirMuito bom o texto.Continue postando.
Há 20 anos que você pensa certo, Eduardo, o "peso" foi um erro de digitação desse que vos escreve, já devidamente corrigido no texto.
ResponderExcluirValeu!
Apesar de gostar muito dessa música , nunca li a letra,então pensei que estava enganado todo esse tempo.
ResponderExcluirNão, Eduardo, pela primeira vez na vida você estava certo e eu errado, hauahuahua.
ResponderExcluirAbraço!
Nesse mesmo blog tem outro post que você estava errado eu eu certo.Lembra?
ResponderExcluirLembro sim, mas como diria Dimas do Cavaco: "você vai querer me humilhar na frente do pessoal?" hauahuhauha
ResponderExcluirBela postagem mano. Gosto das músicas desse disco, Refrão de Bolero, Infinita Highway, toquei demais nas bandas. To voltando aos poucos na internet rs. Muita coisa que eu não li ainda, não vi, não comentei, mas to voltando. Abraço mano
ResponderExcluirGet back, mano! Eu consigo me imaginar sem internet, já você não, hehe.
ResponderExcluirGrande abraço!
Uma informação...O prédio do encarte se trata da Federal do RG, a UFRGS.Minha irma estudou um semestre lá, e conheceu meu cunhado gaúcho! Quando mostrei o lendário encarte, identificaram na hora!
ResponderExcluirFui ali pegar o disco para conferir a foto do prédio, rs. Nunca soube que era da UFRGS. Valeu pela informação!
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