sábado, agosto 31, 2013

Engenheiros do Hawaii - Uma Breve Viagem Discográfica: Os Anos Gessinger, Licks & Maltz

5. Capítulo IV

 O Papa é Pop (1990)





Considerado pela própria banda como um disco acidental em sua trajetória, assim como o ao vivo Alívio Imediato que havia interrompido a trilogia com as cores da bandeira do Rio Grande do Sul com os discos A Revolta dos Dândis e Ouça O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém, os Engenheiros do Hawaii apareceram com mais um disco provocativo desde o título no qual eles exploravam uma sonoridade mais pop do que haviam buscado até então. Para ajudar a atingir esse objetivo, Carlos Maltz utiliza bateria eletrônica em todas as faixas, teclados se fazem mais presentes, agora executados também por Humberto Gessinger juntamente com Augusto Licks, além das modernas guitarras e baixos Steinberger com seus captadores ativos, eles começam a utilizar os midipedalboards que produziam efeitos e notas digitais executados por Gessinger e Licks com os pés enquanto as mãos se ocupavam dos instrumentos habituais. 


O Exército de Um Homem Só I abre o disco com sua marcante introdução, executada num violão XII cordas por Augusto Licks, co-autor da canção com Humberto Gessinger e que é dedicada a Mathias Rust (piloto amador alemão que invadiu o espaço aéreo soviético em 1987 durante a Guerra Fria aterrando em plena Praça Vermelha como forma de protesto pela paz). A letra fala de resistência, ainda que solitária: “Não importa se só tocam o primeiro acorde da canção, a gente escreve o resto...”, ”Somos um exército, um exército de um homem só, no difícil exercício de viver em paz”. Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e os Rolling Stones foi a primeira visita ao repertório alheio cometida pela banda e se deu de forma totalmente acidental. A música passou a ser tocada pela banda nos comícios do então presidenciável, Leonel de Moura Brizola, quando eles sentiram necessidade de executar algo que pudesse agradar um público que para eles supostamente pudesse não conhecer suas canções. A partir de uma gravação extraída de um programa de TV ela começou a ser executada nas rádios e eles decidiram incluí-la no disco. De autoria de Franco Migliacci e Mauro Lusini, a canção é originalmente italiana e a letra em português é assinada por Brancato Júnior. Os Engenheiros mantiveram a introdução da versão lançada pela banda Os Incríveis e que era "chupada" da versão dos Birds da música Mr. Tambourine Man de Bob Dylan. Augustinho faria mais um de seus solos marcantes numa colagem de melodias que envolviam o tema da seleção brasileira na copa de 70 e os Hinos dos EUA e da Independência do Brasil (por acaso, a fonte utilizada no logo dos EngHaw também fora inspirada na mesma utilizada pelos Incríveis em num compacto no qual eles gravaram os Hinos Nacional e da Independência!). A canção era sucedida por O Exército de Um Homem Só, II, também assinada em parceria por Augusto e Humberto, uma variação de O Exército I e que tinham a função de fornecer uma introdução e conclusão para Era Um Garoto, sendo mais uma vez dedicada a Mathias Rust, tendo agora como motivo “seu maluco ataque a uma enfermeira na prisão”. (Para quem não conhece o caso e queira entender  melhor: http://obviousmag.org/archives/2009/04/mathias_rust.html). Nunca Mais Poder é outra canção da dupla Gessinger/Licks presente no disco e tem uma estrutura musical que leva a banda para um lado mais progressivo que seria mais desenvolvido no lado B do disco e nos dois álbuns subseqüentes da banda. O verso inicial “Todo mundo é moderno, todo mundo é eterno” ecoa na minha cabeça como que inspirados nas palavras de Carlos Drummond de Andrade “Cansei de ser moderno, agora serei eterno”. Também da safra Gessinger/Licks é a música Pra Ser Sincero, um dos grandes sucessos da banda e que apresentava Gessinger ao piano e Licks no teclado. Olhos Iguais Aos Seus ainda com Humberto nas teclas tem mais um de seus  bons trocadilhos, “?o que fazem as pessoas parecerem tão iguais?”, “o que fazem as pessoas para serem tão iguais?”.


A faixa título, outro grande hit do disco, só apareceria no lado B, com sua também marcante introdução de guitarra. A música O Papa é Pop tem uma das raras participações de outros músicos em discos dos Engenheiros com o grupo Golden Boys fazendo o côro. A Violência Travestida Faz Seu Trottoir começa com uma interessante introdução de baixo e tem mais uma daquelas letras quilométricas de Humberto e traz ainda a participação especial da cantora Patrícia (Marx). Com muitas variações melódicas e diferentes passagens instrumentais direcionava a banda para a linha progressiva, reafirmada na faixa seguinte, Anoiteceu em Porto Alegre com seus mais de cem versos e intrincadas variações instrumentais em mais de oito minutos de música. Fechando o disco, a curtinha, mas não menos interessante, Ilusão de Ótica, que traz um dos mais belos solos de Augusto Licks. As versões em fita K7 e CD trariam ainda a faixa bônus, Perfeita Simetria, com a mesma melodia da música O Papa é Pop, porém com letra diferente e algumas diferenças de arranjo.


Pela primeira vez a banda assinava a produção de um de seus discos. A crítica não aceitando se curvar a uma banda que não se curvava a ela cometeria exageros como criticar o público da banda e até as roupas que eles usavam.  A capa tem uma tarja sob o nome da banda assim como no primeiro disco Longe Demais das Capitais exibindo apenas a palavra "Engenheiros" na frente com o título do disco logo abaixo e o restante do nome da banda “Do Hawaii” na contracapa. Além da banda e um sofá vermelho no qual estão sentados Carlos e Augusto (com Humberto em pé à esquerda) a imagem mostra a guitarra Steinberger branca de Augustinho que seria uma das marcas registradas do músico e um pôster de Karol Józef Wojtyla, o Papa João Paulo II tomando chimarrão e usando um chapéu de gaúcho, numa foto de Carlos Contursi e pertencente a Leonel Brizola feita durante visita a cidade de Porto Alegre e que foi a inspiração inicial de Humberto Gessinger para a canção título do álbum. Na contracapa, uma foto em mesmo ângulo sem a presença da banda, mostra apenas o sofá, a guitarra e a mesma foto de João Paulo II com um efeito colorido lembrando as figuras pops criadas por Andy Warhol. O Papa é Pop foi o disco de maior sucesso comercial da banda ultrapassando meio milhão de cópias vendidas e confirmando que a banda estava certa: o Papa é (era) pop!
 

domingo, agosto 11, 2013

Chet Baker - Memórias Perdidas



Memórias Perdidas é o nome desta autobiografia de Chet Baker lançada pela editora norte-americana St. Martin’s Griffin com o título original As Though I Had Wings: The Lost Memoir em 1997 e editada no Brasil pela Jorge Zahar em 2002. O volume se trata de uma reprodução de anotações feitas à mão por Chet, algumas páginas apresentam trechos de seus originais. Com pouco mais de 100 páginas, é um livro para se ler de uma sentada só, não apenas por ser pequeno, mas sim pelas estórias instigantes e a maneira como Chet as apresenta que nos faz querer iniciar o capítulo seguinte imediatamente, tendo ainda em vista sua enorme carga de intensidade.

Em capítulos com os quais ele não gasta mais do que meia dúzia de páginas, Chet consegue com poucas palavras repassar longos períodos de sua vida no intervalo do final dos anos 1940 até a primeira metade da década de 1960: o serviço militar, a infância, a iniciação musical, as prisões por envolvimento com drogas, aventuras amorosas e parcerias musicais estão bem abordadas no pequeno volume, afinal, certas coisas não necessitam de tantos detalhes assim, subentende-se.

A fala simples e direta de Chet vai direto ao ponto, sem firulas, como um solo do seu cool jazz, o que ele não diz, se imagina, ao escrever é como se ele estivesse tocando, atacando apenas a nota necessária, sem ornamentos, o leitor/ouvinte tem que ter sensibilidade para entender tudo o que ele não escreveu/tocou.