Vez por outra as postagens desse blog fogem do tema Rock’n’Roll
e/ou música e essas postagens vão para o marcador Geral, embora eu procure evitar fazê-lo, dessa vez o motivo é para
comentar sobre três livros do escritor português José Saramago. Eu sempre digo que não escolho livros, eles que me
escolhem, tenho uma lista com vários títulos que pretendo ler, mas no meio do
caminho vão aparecendo outros, O
Evangelho Segundo Jesus Cristo de Saramago deve ter ficado uns quinze anos
na espera. Só fui conhecer a obra do escritor no ano passado durante uma viagem
a Porto Alegre quando minha amiga Jéssica me emprestou um exemplar que ela havia
tomado emprestado numa biblioteca, o livro era o Intermitências da Morte, li lá mesmo durante a estadia, apesar de
estar na cidade pela primeira vez e estivesse curtindo muito os passeios pela
capital gaúcha, um dos prazeres durante a viagem era ficar no quarto do hotel
lendo o livro pela manhã. Um soco na boca do estômago esse livro, e eu já vinha
de um histórico de leituras pesadas que iam aos limites extremos da crueldade e
da miséria do ser humano, Crime e
Castigo de Dostoiéviski e A Hora da Estrela de Clarice Lispector. O livro começa
falando de um dia num país fictício em que ninguém morreu, o fato se sustenta
por um longo período, a partir disso desenrola-se a estória, mostrando as
complicações e implicações que uma possível imortalidade traria à sociedade e
como seriam as prováveis reações das chamadas autoridades que por sua vez não
resultam muito diferentes do que já são. Fiquei impressionado logo de início
com Saramago. De volta a Belo Horizonte, meu amigo Rodrigo Braga (vulgo Busha)
me emprestou Ensaio Sobre a Cegueira,
depois do soco na boca do estômago, esse livro foi a joelhada na cara quando
você se abaixa para tentar recuperar o ar, não fosse a minha resistência de
boxeador teria ido à nocaute antes de terminar o livro. Duro, cruel, sofrido.
Desta vez a cegueira toma de assalto todo um país, o que serve de ponto de partida para o autor mais uma vez abordar e especular como governo e povo reagiriam à essa nova realidade. Saramago vai ao âmago da
questão, sem filtros. Deu para perceber logo de início que o livro se tratava de uma variação
sobre um (quase) mesmo tema, sendo que o Ensaio
Sobre a Cegueira foi escrito dez anos antes do Intermitências da Morte. Nesse livro, uma mulher assume a posição
de heroína, uma heroína sem nome, sendo tratada simplesmente como a mulher do
médico. Na verdade nenhum dos personagens tem nome. Por ser um best-seller e
inclusive ter virado filme talvez minhas apresentações sejam desnecessárias. Na
sequência li Ensaio Sobre A Lucidez,
escrito por sua vez entre os dois livros, nove anos após o Ensaio Sobre a Cegueira
e apenas um ano antes do Intermitências da Morte, os três títulos me parecem
muito próximos do que se pode considerar uma trilogia. Já imaginava pelo título que esta estória
seria mais uma variação na linha dos dois livros lidos anteriormente. A
impressão, lógico, se confirmou. O livro começa num dia de eleição em que
poucos eleitores compareceram para votar. Depois de convocada uma nova eleição,
os eleitores são tomados por uma lucidez que abre seus olhos e faz com que
compareceram às urnas e votem massivamente em branco questionando assim a democracia
e sistema de governo em que vivem que é exatamente dentro dos nossos padrões
reais e é dentro desse questionamento que o livro se move. Saramago faz ataques
muito bem direcionados às autoridades e à maneira como manipulam a mídia para
vender-nos seus falsos valores, assim como também cutuca a sociedade como um
todo e como cada um se posiciona dentro dela. É nesse ponto e nas
críticas em que o livro se apóia que reside sua virtude, porém, depois de ter
lido os dois livros citados anteriormente (duas obras-primas, diga-se de
passagem) estava certo que este iria pelo mesmo caminho, mas não foi o que
aconteceu, o livro parece não se desenvolver, o autor faz muitas voltas para
não chegar a lugar nenhum, lá pelo meio do livro ele acaba virando quase que um
romance de espionagem, como era dado a esse tipo de leitura no início da
adolescência resolvi tentar “entrar” no livro por essa ótica, mas ainda assim
ele não “me pegou”; e então eis que surge no livro os principais personagens do
Ensaio Sobre a Cegueira, em especial a heroína, mulher do médico, acho que só então me dei conta do quanto tinha admirado essa personagem, tal qual uma Ana Terra de Érico de Veríssimo. A partir de sua aparição, li o livro vorazmente
com toda empolgação que me faltara até então, ainda que sentisse a estória um
pouco perdida pelo autor que me parecia ter escrito a obra preso a
circunstâncias de contrato e tivesse prazo para entregá-lo à editora (não que
eu pense que esse não seja uma situação comum, mas pareceu-me deveras forçada a
escrita de Saramago nessa obra), nesse labirinto entre seguir e terminar a obra,
acho que o autor se perdeu. Nesse momento
sou obrigado a interromper o leitor e dizer-lhe que caso não tenha lido o livro e pretende fazê-lo, pare a leitura do texto nesse momento, pois vou contar o final da estória
(se for esse seu caso, volte depois para ler a conclusão). No desespero de
não saber o que fazer com a estória e dar um desfecho genial como na “Cegueira”
e no “Intermitências”, Saramago toma uma decisão radical, mata a heroína a
sangue frio e sem piedade, mais ainda do que o policial que ele faz atirar no
livro. Para mim, apesar da inteligentíssima crítica política, o Ensaio Sobre a
Lucidez não fornece o espelho que eu imagino que o autor queria propor para o
Ensaio Sobre a Cegueira, ainda assim, para quem ler o Ensaio Sobre A Cegueira
vale a pena conferir o Ensaio Sobre a Lucidez. Apesar de certa decepção com o
Ensaio Sobre Lucidez, os livros Ensaio Sobre a Cegueira e Intermitências da
Morte são maravilhosos e desempatam essa “trilogia” de forma brilhante onde um
simples 2 X 1 torna-se uma goleada. A propósito, já estou mergulhado no meu
quarto livro de Saramago, chegou a vez na fila (finalmente) do livro O
Evangelho Segundo Jesus Cristo que parece ser mais um gol de placa do autor que
por acaso também foi um apaixonado por futebol.
Fotos:1. Reprodução das capas do três livros publicados pela Editora Companhia das Letras; 2. José Saramago (divulgação).
Taí uma coisa que me falta, o hábito da leitura. Até curto ler, mas creio que na verdade eu sou um leitor seletivo. Não li nenhum Harry Potter, nenhum da febrezinha momentânea Crepúsculo, Percy Jackson... Gosto mais de biografias, ou um tema que tenha a ver com um de meus ídolos, ou que tenha a ver com música. As únicas vezes que li algo extra habitual foi O Código da Vinci e Anjos e Demônios e mais alguns. Bela postagem mano... Abraços
ResponderExcluirUai mano, se você não tem hábito de ler me enganou legal, hehe, mas acho que é porque sempre falamos muito de livros de música e biografias.
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