domingo, setembro 14, 2014

Jimi Hendrix Experience: Axis: Bold As Love (1967)




A primeira vez que eu ouvi Jimi Hendrix foi nos anos 1990, assistindo pela TV sua apresentação no Festival da Ilha de Wight em 1970. Ele viria a morrer 18 dias depois. Já antevendo que iria gostar (e gostei imensamente), coloquei o videocassete em ação e gravei o show que ainda permanece no meu arquivo. Tempos depois, tomei conhecimento de que aquela teria sido uma das suas piores apresentações, devido a problemas técnicos, e que entre uma canção e outra, o show era interrompido no intuito de sanar os problemas (essa parte obviamente não aparece no vídeo editado). A segunda experiência com sua música foi novamente audiovisual, assistindo a uma reapresentação também pela TV do seu show em Woodstock (outro registro que permanece guardado nos meus arquivos em VHS). Perdi a conta das vezes que assisti a essas fitas. A primeira vez que eu “só” ouvi o Jimi, foi através da coletânea “A Arte de Jimi Hendrix” lançado pela gravadora Philips. Consegui o vinil duplo emprestado de um amigo e copiei em fita K7 (desnecessário dizer que a fitinha ainda está devidamente guardada comigo?). Foi um susto (positivo), em razão de estar acostumado às performances enlouquecidas e altamente improvisadas do guitarrista, espantei-me ao perceber que ele realmente cantava (não apenas um trecho ou outro da letra como fazia ao vivo, parecendo não controlar sua energia musical e a vontade de tocar guitarra, como se a música brotasse contra a sua vontade em diversos momentos), também me surpreendeu a qualidade das gravações, os timbres, arranjos. Passei a gostar mais do Hendrix de estúdio do que o ao vivo, talvez contrariando a regra em que suas performances de palco eram altamente exaltadas. Certamente deve ter sido mágico para quem pôde vê-lo in loco

Axis: Bold As Love foi o segundo álbum de Hendrix. Lançado no dia primeiro de dezembro de 1967, exatamente seis meses após o não menos icônico Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band dos Beatles. Dois daqueles álbuns que devem ter sido ainda mais impactantes no universo pop para quem ouviu na época de lançamento, sem todas as informações musicais que vieram depois deles. O disco tem produção de Chas Chandler, baixista da banda The Animals, que foi uma espécie de “descobridor” do Hendrix, ao levar o músico norte-americano para a Inglaterra e tê-lo lançado lá, prestando um enorme serviço à música de todos os tempos. 

A faixa de abertura, “EXP”, é na verdade uma vinheta na qual um radialista fictício (narrado pelo baterista Mitch Mitchell) apresenta o também personagem Paul Caruso (narrado por Jimi) que convida os ouvintes para a experiência sonora que virá em seguida, já apresentando uma série de ruídos criados pela guitarra de Hendrix. “Up From The Skies” tem algo da influência jazzística de Hendrix, mas, sobretudo a bateria de Mitch Mitchell adiciona uma levada não muito comum ao pop de então. Hendrix cria uma base utilizando um pedal de wah-wah durante toda a música (não me recordo de uma gravação onde esse efeito fosse explorado durante toda a canção na base harmônica principal). “Spanish Castle Magic” apresenta um de seus riffs mais marcantes, e mais uma das bases não usuais de Hendrix que definiu muito do que viria a ser a sonoridade dos powers-trios junto com o baterista Mitch Mitchell e o baixista Noel Redding. “Wait Until Tomorrow”, outro dos clássicos do guitarrista tem uma guitarra com um swing funk que depois seria extremamente recorrente na música pop, mas que talvez também ainda não se tivesse ouvido antes de Hendrix. “Ain’t No Telling” com seu ritmo “quebrado” e passagens inesperadas, é mais uma das músicas de Hendrix que reforçam as palavras de Eric Clapton, quando disse que Hendrix fazia tudo diferente. Uma das suas mais belas melodias, senão a mais bela de todas é “Little Wing”, música que em pouco menos de dois minutos e meio de duração consegue condensar a melodia da canção a arranjos geniais de guitarra (a começar pela marcante introdução), unido a timbres singulares e um solo curto, mas de intensidade única. O glockenspiel tocado por Mitch Mitchell ajuda a realçar a identidade sonora original da canção. E não podemos esquecer que Jimi também sabia dar o recado nos vocais (lembrando daquela surpresa que comentei no início do texto ao descobrir que ele também cantava). “If 6 was 9” tem uma contundente e individualista letra escrita bem no meio de toda a questão hippie: “Now if 6 turned out to be 9/I don't mind, I don't mind/Alright, if all the hippies cut off all their hair/I don't care, I don't care/Dig, 'cos I got my own world to live through/And I ain't gonna copy you” (“Agora, se 6 acabasse por ser 9/Eu não me importaria, eu não me importaria/Certo, se todos os hippies cortassem todos os seus cabelos/Eu não me importaria, eu não me importaria/Sabe, porque eu tenho o meu próprio mundo para viver/E eu não vou copiar você”). Algo do tipo “seja você mesmo”, ou “seja seu próprio herói” como diria Lennon, que provavelmente deve ter agrado à mente do beatle. No solo e no final da canção, toda aquela sonoridade caótica de Hendrix que denunciava que o mundo não vivia tão em “paz e amor”.

“You Got Me Floatin’” inicia o lado B do disco com um riff rascante com distorção na medida certa, e a mesma loucura sonora que fecha o lado A. “Castle Made of Sand”, tem na introdução, mais uma das sacadas simples e geniais de Hendrix com acordes ascendentes e descentes passeando pela escala da guitarra e depois um turnaround ainda na onda de “Little Wing” com aquele timbre estalado característico das guitarras Fender Stratocaster. Junto aos versos, frases de guitarra invertida, inovação trazida pelos Beatles um ano antes no álbum Revolver (vide as músicas I’m Only Sleeping e Tomorrow Never Knows). Além do som, Hendrix revela-se um bom cronista na letra em que fala de forma cinematográfica de uma recorrente briga de casal: “Down the street you can hear her scream "you're a disgrace” /As she slams the door in his drunken face/And now he stands outside and all the neighbours start to gossip and drool” (“Descendo a rua, você pode escutar o grito dela: "você é um d*!"/Enquanto bate a porta na cara embriagada dele/e ele fica na rua/ enquanto os vizinhos começam a fofocar e conversar”). “Shes´s so fine” é a única música do disco não composta por Hendrix. O baixista Noel Redding assina a composição e assume o vocal principal da faixa que lembra muito o Cream em músicas como “Strange Brew”. “One Rainy Wish” é mais uma variante da sonoridade clássica de Hendrix com uma levada inicial meio arrastada que é atropelada no meio da canção por uma agressividade súbita e frases hipnóticas de guitarra. “Little Miss Lover” tem uma levada de bateria que depois seria muito presente nas músicas do Led Zeppelin, como “Heartbreaker” ou “The Song Remais The Same”, por exemplo. “Bold As Love” nomeia e fecha o álbum, outra grande melodia de Hendrix, quase nunca lembrado por esse seu lado compositor. Afora isso, a música foi gravada com a genialidade de sempre de Jimi. Apesar do lugar-comum e de todos os clichês que exaltam apenas o Hendrix guitarrista, é bom lembrar que mais do que o instrumentista genial, ele era um grande músico no conceito mais amplo do termo. As faixas desse álbum mostram isso, seja pelas suas composições, seja pela concepção dos arranjos, ou ainda o cuidado com timbres, e com todo o processo de gravação. Não esquecendo que suas letras também merecem respeito, especialmente pensando nos compositores de rock americano (em detrimento dos ingleses) que nunca foram dos melhores letristas, com algumas exceções óbvias, como Dylan.

6 comentários:

  1. Eduardo Dornelas9/15/2014 3:11 PM

    Você tinha que citar o nome do amigo que emprestou o LP duplo.Se fosse eu esse amigo, ficaria mito puto de não receber os créditos.

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  2. Ae mano, excelente postagem, como sempre né? Então, desculpa a demora em comentar mas como você sabe ando de férias de blogs rs. A primeira vez que eu vi Hendrix foi no filme do Festival de Monterey em que (no filme) ele toca a Wild Thing. Muitos anos depois eu vi o Festival da Ilha de Wight. O show de Woodstock eu tenho baixado mas não vi na íntegra ainda... Hendrix em estúdio é de um extremo bom gosto, os timbres, a gravação, a produção... Em estúdio mesmo eu ouvi o primeiro foi o Cry Of Love (nem sei se é um disco póstumo) mas é um baita disco. Axis: Bold as Love eu tenho em mp3, mas fiz em cd pra escutar incansáveis vezes também, é um ótimo disco. Espero um dia conseguí-lo (se a atual moda da volta ao vinil permitir).
    Abraço mano.

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  3. Ah, lembrei. Até no solo de I´m Only Sleeping o Geoff desceu a lenha rs.

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    1. hauhauhaua, você me falou, tenho que ler isso, o cara é corajoso, haha

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  4. O Cry Of Love é póstumo mesmo. De carreira mesmo foram apenas três.

    (Não vá me xingar, mas o meu Bold as Love é em cd, ahuhauhua)

    Abraço!

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