domingo, setembro 21, 2014

Bob Dylan - Oh Mercy (1989)






Assim como me ocorreu com o disco Blue de Joni Mitchell, quando conheci esse disco de Bob Dylan não tinha noção alguma da grande importância que o mesmo teve em sua carreira. Só vim a descobrir a relevância do álbum para o artista ao ler seu livro intitulado "Crônicas – Volume Um", no qual ele dedica um dos apenas cinco capítulos totalmente a esse álbum. Oh Mercy representou uma fase de recomeço para Dylan. No livro ele narra todo o processo de feitura desse trabalho, desde a composição até o último take da gravação. Boa parte do texto cita o produtor Danny Lanois, com quem Dylan teve uma intensa convivência e divergências criativas durante o processo de gravação do álbum.

“Political World” foi a primeira música composta dessa leva e coube a ela também a função de abrir o disco. Com sonoridade sombria e uma voz rascante de Dylan, os versos inicias já definem a música: “We live in a political world, Love don't have any place” (Vivemos em mundo político, amor não tem lugar). A letra foi escrita toda de uma vez e tinha pelo menos o dobro dos versos antes do compositor descartar parte deles. 

“Where Teardrops Fall” soa muito próxima do Dylan dos anos 70, especialmente pelo lap-steel tocado por Lanois e a o acordeom de Rockin’ Doopsie.

Segundo Dylan, o produtor Danny Lanois considerava “Everthing Is Broken” uma canção descartável. Dylan obviamente discordava dele. E o tempo provou que o compositor estava certo. 

“Ring Them Bells” é uma das faixas mais “enxutas" do disco, com acompanhamento apenas de piano, teclados e guitarra; e tem uma letra de tom épico e religioso: Ring them bells, for the time that flies/For the child that cries/When innocence dies (Toque os sinos para o tempo que voa/Para a criança que chora/Quando a inocência morre).

“Man In The Long Black Coat” e “Shooting Star” foram escritas praticamente ao mesmo tempo. Sobre a soturna “Man In The Long Black Coat”, Dylan escreveu que ela “tenta falar de alguém cujo próprio corpo não lhe pertence. Alguém que amou a vida, mas não pode viver, e cuja alma se amargura porque outros são capazes de viver”. Incerto de que conseguiu escrever músicas históricas para o disco como desejava o produtor Lanois, Dylan acredita que tenha chegado perto em pelo menos duas, e essa seria uma delas. Ele pensou nela como a sua “I Walk The Line”, música de Jonnhy Cash, que na visão de Dylan: "promove um ataque a nossos pontos mais vulneráveis, as palavras afiadas de um mestre".

“Most Of The Time” tem uma letra romântica como provavelmente apenas Dylan escreveria, na qual os primeiros versos sequer revelam que este é o tema da canção na qual ele apresenta um personagem forte e confiante que se curva diante uma paixão e, consegue compor versos diferentes para um assunto totalmente trivial: “Most of the time/I'm clear focused all around/Most of the time/I can keep both feet on the ground/I can follow the path, I can read the signs/Stay right with it, when the road unwinds/I can handle whatever I stumble upon/I don't even notice she's gone/Most of the time” (Na maioria das vezes/Eu sou tranquilo e focado com o que acontece ao meu redor/Na maioria das vezes/Eu posso manter os dois pés no chão/Eu posso seguir o caminho/Eu posso ler os sinais/Permanecer assim, quando a estrada se desenrola/Posso lidar com qualquer coisa que eu esbarre/Nem sequer noto que ela se foi/Na maioria das vezes).

 A levada arrastada de “What good Am I?” soa como um blues improvisado. A letra também foi composta toda de uma vez, como Dylan revelou. 

“Disease of Conceit” que ele assume ter um toque gospel, nasceu a partir da notícia da proibição de pregar ao pastor Jimmy Swaggart que também foi destituído da liderança da Assembleia de Deus devido à sua ligação com uma prostituta. Dylan que discordava da punição escreve no livro: “A Bíblia está cheia dessas coisas. Um monte daqueles antigos reis e líderes teve várias esposas e concubinas, e o profeta Oséias até foi casado com uma prostituta e isso não o impediu de ser um homem santo. Mas aqueles eram outros tempos, e para Swaggart foi o fim da linha”. Para Dylan que gravou o piano nessa faixa, disse que Arthur Rubinstein teria sido o instrumentista perfeito para tocá-la.

“What Was It You Wanted?” foi outra que ele diz ter composto rapidamente, letra e melodia ao mesmo tempo. Depois de uma pausa, o compositor voltava à ativa com o ímpeto dos primeiros trabalhos. Os timbres de guitarra com bastante efeito de tremolo e reverb que aparecem em várias faixas do disco reaparecem aqui e Dylan adiciona solos marcantes de harmônica.

Para a gravação de “Shooting Star”, Dylan confessa que gostaria de ter um ou dois clarinetes na gravação, mas fizeram com o que estava disponível na ocasião: Brian na guitarra, Willie, na bateria, Tony no baixo e Lanois no omnichord (um instrumento de plástico que soa como uma cítara) e, ele na guitarra e harmônica. A canção que segundo Dylan foi uma daqueles que surgiram completas, lhe dá a sensação de que ele mais “a recebeu” do que compôs. Nas palavras do compositor, era como se ele estivesse viajando pela trilha do jardim do sol e simplesmente a encontrasse ali. “Ela era iluminada. Eu tinha visto uma estrela cadente do quinta de nossa casa, ou talvez fosse um meteorito”. 

Como afirmou Dylan no livro "Crônicas": “... o disco não me colocou de volta ao mapa do mundo do rádio... ele obteve algumas resenhas boas, mas resenhas boas não vendem discos. Todo mundo que lança um disco consegue pelo menos uma resenha boa, só que há sempre uma nova sagra de discos e um novo conjunto de resenhas”. Ainda assim o disco se tornou um trabalho extremamente importante na obra de Dylan, a ponto de ser o único a intitular um dos capítulos do seu livro de memórias. Concluindo com palavras do próprio: “O negócio musical é estranho. Você o amaldiçoa, mas o ama”.

Bob Dylan – voz, violões, guitarra, piano, harmônica, órgão
Daniel Lanois  – dobro, lap steel, guitarra, omnichord
Rockin' Dopsie – acordeom em "Where Teardrops Fall"
Willie Green – bateria em "Political World", "Everything Is Broken", "Most of the Time", "Disease of Conceit", "What Was It You Wanted", "Shooting Star"
Tony Hall – baixo em "Political World", "Everything Is Broken", "Most of the Time", "Disease of Conceit", "Shooting Star"
Malcolm Burn – meia-lua, teclados, baixo em "Everything Is Broken", "Ring Them Bells", "Man in the Long Black Coat", "Most of the Time", "What Good Am I?", "What Was It You Wanted"
John Hart – saxofone em "Where Teardrops Fall"
Daryl Johnson – percussão em "Everything Is Broken"
Larry Jolivet – baixo em "Where Teardrops Fall"
Cyril Neville – percussão em "Political World", "Most of the Time", "What Was It You Wanted"
Alton Rubin, Jr. – “Tábua de lavar” em  "Where Teardrops Fall"
Mason Ruffner – guitar on "Political World", "Disease of Conceit", "What Was It You Wanted"
Brian Stoltz – guitarra em "Political World", "Everything Is Broken", "Disease of Conceit", "Shooting Star"
Paul Synegal – guitarra em "Where Teardrops Fall"


Obs: Todas as citações de Bob Dylan foram retiradas do livro "Crônicas - Volume Um", editora Planeta, 2005.


2 comentários:

  1. Eduardo Dornelas9/22/2014 3:46 PM

    Esse é o único disco do Dylan que tenho.Tem pelo menos dois fatos curiosos em relação a esse disco, um deles talvez o autor de blog sem lembre.Nós passamos bastante tempo chamando esse disco "No Mercy" e não "Oh Mercy" , o motivo não faço a mínima ideia.Outro fato curioso é que apesar de gostar muito desse disco não consigo decorar o nome das canções, quando escuto alguma aleatoriamente penso essa é música "tal" do lado tal.

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    1. Não só me lembro, como imaginei que você fosse comentar sobre isso. Também não tenho ideia do porquê de confundirmos o nome, talvez pelo fato da pronúncia ser próxima e ter guardado a sonoridade da fala. Interessante que "No mercy" que quer dizer "sem piedade" faz muito sentido e seria um ótimo título para um disco, talvez mesmo até melhor do que "oh mercy" que significa "oh misericórdia". Esse não é meu único disco do Dylan, mas foi o meu primeiro. Achei muito massa quando ele tocou “Man In The Long Black Coat” no show que fui dele aqui em BH, eu nem estava esperando que ele tocasse alguma desse disco.

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