domingo, julho 13, 2014

Engenheiros do Hawaii - Uma Breve Viagem Discográfica: Os Anos Gessinger, Licks & Maltz

6. Capítulo V

Várias Variáveis (1991)




Depois d'O Papa é Pop, os Engenheiros do Hawaii apareceram com mais um título e uma canção propositalmente cheia de aliterações, "A Pampa é Pobre/O país é pobre/É pobre à pampa/O PIB é pouco/O povo pena, mas não pára/A poesia é um porre/O poder, o pudor/Várias Variáveis/O pão, o peão/A pátria à flor da pele pede passagem...". Era a canção "O Sonho é Popular", anunciando um dos melhores discos da banda e servindo de prelúdio para a regravação de "Herdeiro da Pampa Pobre" de Gaúcho da Fronteira e Vainê Darde. Prato cheio para Augusto Licks apresentar mais um de seus personalíssimos solos, usando a técnica de tapping que consiste em tocar com as duas mãos na escala do instrumento. Augusto imprime personalidade ao buscar inspiração na música gaúcha e consegue soar diferente no uso de uma técnica na qual todos guitarristas soam iguais. “Sala Vip” é uma das canções mais pesadas e agressivas gravadas pela banda, tanto no instrumental quanto na letra ("Não, nem vem que não tem, eu não devo nada pra ninguém", "Tô de saco cheio, chega, deu pra mim, eu não sou do meio, não sou do meio termo, quero todos os gestos ou nenhum"). “Piano Bar” é outra balada com base nos teclados, agora nos comandos de Humberto Gessinger, deixando o parceiro Augusto livre para executar mais um marcante solo de guitarra. “Ando Só” mostra o trio "redondinho", com a bateria de Carlos Maltz com bastante punch, e as boas linhas de baixo e guitarra que inclusive dialogam durante o solo num jogo de pergunta e resposta. “Quartos de Hotel” com seu riff pesado na introdução surpreende o ouvinte ao desembocar numa base de violão transformando a canção numa balada que logo no primeiro refrão retorna ao clima mais pesado e fecha o lado A.

O lado B surge com a vinheta que leva o nome do disco, uma colagem de sons e ruídos, no melhor estilo “Revolution #9” dos Beatles, que apresenta mais uma vez um riff que apareceria em vários discos da banda (vide as músicas “Vozes” e “A Verdade a Ver Navios” presentes no segundo e terceiro discos dos Engenheiros respectivamente). “Sampa No Walkman”  inicia com o mesmo riff  de “Quartos de Hotel”, assim como eles já haviam feito em “A Revolta dos Dândis I e II”. A música presta uma homenagem a Caetano Veloso e a cidade de São Paulo (“a mesma esquina em outra canção”). Dois grandes instrumentais com dois solos perfeitos de Augustinho em ótima forma e domínio total de seu instrumento. “Muros E Grades” com um baixo pulsante e a bela introdução executada numa guitarra 12 cordas, se tornou um dos clássicos da banda com mais uma das instigantes letras de Humberto (“então erguemos os muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia”; “levamos uma vida que não nos leva à nada”). “Museu de Cera” mantém a mesma pegada com instrumental vigoroso e o uso de samplers como em outras faixas do disco. Os versos finais são cantados à capella (o mesmo acontece na última faixa do disco). Na sequência, dois momentos acústicos e bastante despojados que dão a impressão que a banda gravou tocando ao vivo no estúdio, com Humberto ao piano, Licks no violão e Carlos na percussão, eles apresentam a breve “Curtametragem” ("A vida é uma viagem, passagem só de ida"..."A vida é uma viagem, bebida sem gelo engolida às pressas, às vésperas da sede"), nessa, eles erram no meio e recomeçam a canção; assim como fazem na introdução  da música subsequente, “Descendo A Serra”, que traz mais alguns bons versos da verve "gessingeriana" (“é sempre mais difícil dizer adeus quando não há nada mais pra se dizer”). Depois do bucolismo das duas baladas, outro momento quebradeira com a música “Não É Sempre”, Humberto apresenta ao longo do disco toda uma série de letras inspiradíssimas com seus trocadilhos cortantes e aqui não é diferente ("Acontece que eu não nasci ontem e até hoje sempre escapei com vida", “não queria estar no meu lugar, não queria estar em lugar nenhum), Augusto Licks comparece com mais um grande solo. Para fechar, “Nunca é sempre”, uma segunda parte da canção anterior com a mesma harmonia da primeira faixa do disco que o liga e o fecha como se fosse um livro.

A exemplo do disco anterior (O Papa É Pop), Várias Variáveis também teve a produção a cargo da banda, na verdade, como diria Carlos Maltz no mesmo ano: “o Augusto produz tudo, e quando ele grava eu o produzo”. A capa verde marca um retorno à trilogia idealizada a partir do segundo (amarelo) e terceiro (vermelho) discos da banda com as cores inspiradas na bandeira do Rio Grande do Sul, mas que havia sido adiada em razão do disco ao vivo (Alívio Imediato) e d'O Papa É Pop que eles consideram acidentais na trajetória discográfica da banda. Circulando uma foto do trio temos uma cobra mordendo o próprio rabo dando ideia de continuidade. As engrenagens continuam, agora apresentando símbolos da cultura pop como o Mickey Mouse; uma paródia da Coca-Cola aonde lê-se Beba Chimarrão no lugar do nome da marca de refrigerantes; distintivos dos clubes de futebol gaúchos, Grêmio e Internacional; o “Senta a Púa” da Força Aérea Brasileira e o “Já te atendo, tchê!” do Esquadrão Aéreo Pampa (com a também figura de outro personagem da Disney, o Zé Carioca, travestido de “Zé Gaúcho” com direito à cuia de chimarrão); o símbolo das Nações Unidas; um antigo discador de telefone; o trifólio, símbolo da radioatividade; o desenho o Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci; uma moeda de cruzeiro; a pirâmide iluminatti das notas de um dólar e até um Smile . A ideia original era usar logotipos de diversas marcas de carros, mas houve receio por parte da gravadora com o risco de problemas com as empresas, o que levou às mudanças no projeto. A contracapa traz ainda mais uma série de variações dessas engrenagens, com o logotipo da gravadora RCA, da Cruz Vermelha, o cartaz de Proibido Fumar, estrela de Davi, o “A” de anarquia, e os símbolos de masculino e feminino.Várias Variáveis é um dos discos mais rockeiros da banda e ao mesmo tempo manteve um pouco da vertente progressiva que a banda sempre cultivou embora nunca tenha entrado de cabeça nela.  



 
Obs: assim como os Engenheiros fizeram com o disco Várias Variáveis, eu dedico essa postagem ao homem só, seja ele quem for, esteja onde estiver.

6 comentários:

  1. Grande postagem mano.
    Eu curto ler seus textos, você sabe que sou seu fã. E você escreve sobre alguns discos que eu também não conheço. Lembro do Dream Academy, do Blue da Joni, Maria McKee (acho que escreve assim), todos grandes discos. Esse aí do Engenheiros eu particularmente não conheço, mas com tantos detalhes sobre letras, referências e notas sobre o instrumental e produção que prometo que ouvirei aqui (é só eu achar, pois eu sei que tenho em mp3) e voltarei pra recomentar, valeu mano.
    Grande Abraço.

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  2. Bacana, mano. Bom saber que tem gostado de algumas dessas "novidades" que tenho postado. Mas prometo para breve falar dos nossos prediletos em comum!

    Grande abraço!

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  3. Eduardo Dornelas8/07/2014 11:26 AM

    Eu conhecia desse disco "Muros e Grades", "Piano Bar", "Herdeiro da Pampa Pobre" e "Ando Só".Só fui conhecer o resto do disco quando o autor do blog me emprestou a fita k7(original diga-se de passagem)e demorei mais de um ano para devolver.Das novidades me chamou a atenção "Sampa no Walkman" por causa homenagem ao Caetano e a São Paulo achei bem interessante alguns trechos da letra, "Estas são elas/ Tuas meninas (nordestinas, erundinas)/
    tua mais completa contradição.

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  4. Eduardo, nem lembrava de ter lhe emprestado a fita. Bons tempos em que as letras do rock nacional te faziam pensar.

    Valeu pelo comentário! Abraço!

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  5. Gosto deste disco num sei pq...Tinha uma cobra numa camisa na adolescência!

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  6. Eu gosto e sei porquê. A minha camisa do Várias ainda está aqui.

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