Ouvindo esse disco hoje, me
assustei ao perceber que já se passaram dez anos desde o seu lançamento, e a
correria nossa de todo dia, ainda não me permitiu apreciá-lo como se deve. O
lado bom disso é ter um disco que na minha cabeça é praticamente “novo”, já que
não o ouvi muito, mesmo o considerando um ótimo trabalho da banda. Da turnê que
eles realizaram nesse período tive o prazer de ver cinco shows.
Esse disco registrou a volta do Barão Vermelho, depois de um intervalo
no qual os integrantes se dedicaram a projetos paralelos. Intitulado
simplesmente como Barão Vermelho, assim como o primeiro álbum da banda,
ele marcou um recomeço que infelizmente viria a ser interrompido com uma pausa
a partir de 2007 da qual eles ainda não saíram (exceto para uma curta turnê em comemoração aos 30 anos da banda entre 2012 e 2013).
O Barão retornou ao seu som
mais característico com uma pegada vigorosa, lembrando alguns de seus melhores
discos como Na Calada da Noite e Carne Crua. “Cara a Cara” do baixista Rodrigo Santos
com o baterista Guto Goffi abre o disco e representa bem essa sonoridade
com guitarras, violões, baixo e bateria marcantes como deve ser um bom
Rock’n’Roll. “Cuidado” de Roberto Frejat (guitarra e voz), Maurício
Barros (teclados) e Marcelo Rosauro foi o “single” que lançou
o disco, não está entre as minhas prediletas, mas é aquele tipo de música que
sempre funciona nos shows (assim como a assustadora “Puro Êxtase” que ao
vivo ganhava muito em relação à gravação original no disco homônimo que esteve
longe de figurar entre os melhores momentos discográficos da banda). “Mais
Perto do Sol” revela mais uma boa melodia composta por Frejat e Rodrigo
Santos, e tem letra de Mauro Santa Cecília. “A Chave da Porta da
Frente”, parceria de Frejat e Leoni tem um clima latino e mais um
bom riff de guitarra, coisa que o
Barão talvez tenha feito de forma única no rock nacional. As melhores bandas de
rock, sempre souberam fazer belas baladas, e foi o que Frejat, Maurício Barros
e Mauro Santa Cecília realizaram em “Pra Toda Vida”. Desconheço o
processo de composição através do qual a música foi feita, muito provavelmente
letra e música foram feitas de formas separadas, mas elas se fundem de tal
maneira que parecem terem sido feitas simultaneamente por um só compositor.
Aliás, o letrista Mauro Santa Cecília que já vinha de outras colaborações com o
Barão, e registrou várias parcerias nesse disco também está presente, em parceria com Frejat, na
adaptação do poema “Embriague-se” de Charles
Baudelaire na música que ganhou o mesmo título do poema. Uma ode ao álcool,
(Embriague-se, embriague-se de noite ou ao meio-dia, embriague-se numa boa de
vinho, virtude ou poesia). “O Dia Em Que Você Me Salvou” de Frejat,
Fernando Magalhães (guitarra) e Mauro Santa Cecília, tem algo dos anos 60 e
do punk dos 70 nas guitarras e é mais uma das músicas “ganchudas” do disco que
acabou não tendo a divulgação que merecia. “Cigarro Acesso No Braço” composta
pelo mesmo trio é uma balada com uma letra forte de Mauro ("Vendo o sonho
morrer, eu pude perceber, você dormindo hoje ao meu lado, é um cigarro aceso
queimando meu braço"). A gravação é de uma melancolia e intensidade
profundas. Para quem já foi muito criticado quando começou a cantar, Frejat se
revelou com o tempo um bom intérprete que sabe dar o recado como poucos
cantores, inclusive uma penca deles que cantam com muito mais técnica. “Tão
Inconveniente” de Fernando, Rodrigo, Mauro, Lúci, Tom Capone e Frejat, é
outro bom rock do disco que talvez tivesse melhor sorte na década anterior
quando ainda se tocava música de qualidade no rádio. “A Máquina de Escrever”
foi outra realização muito feliz de Frejat e Guto Goffi que musicaram esse
poema de Giuseppe Ghiaroni (creditado com o nome errado no encarte. O
poeta já foi musicado também por Erasmo Carlos na música “Sou Uma
Criança, Não Entendo Nada”). Uma das melhores, senão a melhor faixa do álbum. “Só O Tempo”, outra colaboração de Frejat, Fernando e Mauro,
fecha o disco.
O CD trazia ainda uma
faixa interativa (que eu acho uma grande chatice que rolou quando começou a
popularização dos computadores e ainda bem que já ficou para trás) através da
qual você podia baixar duas faixas bônus, coisa que não fiz porque quando eu ganhei o disco já não estavam mais disponíveis e só consegui conhecer ouvindo
de maneira gratuita num site (exatamente o contrário da ideia dos produtores,
que era induzir o fã a comprar o disco original e não o pirata ou baixar o mp3
numa época em que as vendas já despencavam de vez no mercado nacional). Uma
delas é “Círculos Loops e Repetições” de Frejat, Guto e Mauro que traz
mais uma visita do Barão a música nordestina como fizeram em “Pergunte ao Tio
José” (letra de Raul Seixas musicada por Frejat e gravada no disco Carne
Crua), fundindo baião com rock, aliás, como o próprio Raul ensinou em “Let
Me Sing, Let Me Sing” e outras de suas composições. A outra canção bônus se
chama “É A Vida”, de Peninha (percussão) e Luiz Carlos Da Vila.
Em se tratando de um álbum de 40 minutos numa época em que o CD já era o padrão
e os discos já tinham avançado sua duração para até 60 minutos, acho que as
duas podiam estar no CD sem a frescura de ter que baixar, mas ao mesmo tempo
acho que ambas não acrescentariam muito ao disco que é muito bom por si
só.
Bons arranjos de guitarra,
belas melodias e letras com conteúdo, receita infalível de um bom Rock’n’Roll,
resultaram num disco maduro, tanto na temática das letras quanto na qualidade
musical da banda, porém, sem perder a energia e alegria juvenis do Rock.