domingo, agosto 31, 2014

O maior músico do mundo (ou “uma das muitas histórias que acontecem comigo”)




Pego o ônibus para voltar pra casa depois de um dia de aula e trabalho. Entro carregando meu violão. Dentro do veículo, apenas um passageiro.  Um senhor de 65 anos (como ele veio a me dizer mais tarde), trajando uma inusitada camiseta do Boston Celtics, e razoavelmente embriagado. Ele vê o estojo do instrumento e pergunta se é um violão, como se tivesse alguma dúvida, apenas para puxar papo. Digo que sim, e ele responde que toca um pouco, sabe acompanhar algumas músicas e fazendo os acordes no ar começar a cantar uma inesperada “Parei...Olhei” , lançada pelo Roberto Carlos no longínquo ano de 1965 ao que eu respondo completando a letra e dizendo que ele foi “fundo”. Ele emenda com “O Calhambeque”, para depois começar a cantar a música “Ninguém Poderá Julgar-me Nem Mesmo Tu”, sucesso do cantor Jerry Adriani, que segundo ele, veio da Itália para o Brasil quando tinha 17 anos, e inclusive tinham a mesma idade. Eu digo que o Jerry é brasileiro mesmo, e que a confusão se dá por ele ser descendente de italianos e ter gravado o primeiro disco nesse idioma. Ele não me ouviu e reafirmou que o Jerry era italiano. Resolvi concordar.

Ele explicou então que tocava violão, mas só fazia acompanhamento porque solar é difícil e ele não estudou. Disse que tocava só de ouvido, mas que eu deveria estudar porque quem estuda toca melhor que ele. Para exemplificar, ele citou a música “O Milionário”, gravada pelo conjunto Os Incríveis, a qual ele sabe tocar o acompanhamento, mas não o solo. Nem cogitei tentar argumentar que não necessariamente um solo é mais difícil de tocar do que determinados acompanhamentos. Acho que por algum motivo durante o papo ele concluiu que eu ainda estava começando a estudar violão, tentei explicar que eu já tocava há algum tempo, mas novamente ele não entendeu. Como não faria diferença, mais uma vez o deixei acreditar no que ele tinha entendido mesmo (até porque eu sei lá se realmente toco violão).  Coincidentemente, nos levantamos para descer no mesmo ponto. Ele me perguntou se aquela era a Avenida Augusto de Lima, e eu confirmei que era sim. Agradecendo-me, ele se despediu, mas não sem antes dizer em tom profético: não desanime não, você vai ser o maior músico do mundo!

Então ‘tá!



Pintura: Vieux Guitariste Aveugle – Pablo Picasso

domingo, agosto 24, 2014

Minha Fama de Mau – Erasmo Carlos


 

Eu o ouvi dizer, sei lá quantas vezes em entrevistas à época do lançamento em 2009 que esse livro não seria uma autobiografia, mas sim um apanhado de casos que ele viveu e que achava engraçados, interessantes ou no mínimo curiosos. Ainda assim a primeira crítica que li do livro Minha Fama de Mau de Erasmo Carlos começava chamando-o de “a autobiografia de Erasmo Carlos”. Mesmo que qualquer um que o leia veja claramente que não se trata de uma autobiografia no sentido mais restrito da palavra, o tal crítico malhava a falta das informações que uma biografia deveria ter e mais uma série de besteiras literárias que não cabem aqui. Mas, o que importa mesmo, é que essa é uma leitura muito válida para quem gosta de Erasmo e da música brasileira.

Sem carregar o peso e a preocupação de fazer uma autobiografia, Erasmo juntou uma série de casos que passeiam por toda a sua vida e carreira, desde encontros na infância com Tim Maia e, na adolescência com Roberto Carlos (que mereceu um capítulo só seu, além de aparecer em vários casos nos outros capítulos), o início da carreira artística com o conjunto The Snakes, a glória atingida com a Jovem Guarda, a fase mais experimental que se deu por influência da Tropicália (que por sua vez teve lá sua influência por parte da Jovem Guarda), o casamento com Narinha, os filhos, amigos que apareceram no caminho, alguns que já se foram, mas sempre lembrados com estórias que guardam um tom de alegria e satisfação, um pouquinho de amargura mesmo só quando se sente obrigado a lembrar da morte da ex-mulher Narinha.

A narrativa de Erasmo flui de forma fácil e estimulante. Um livro para ler numa sentada só. Ele não tem muito pudores e fala na maior tranquilidade de casos e mais casos com mulheres, ainda que nunca cite os nomes e não esconde suas fraquezas se elas lhe renderem boas histórias. O livro se torna mais saboroso ainda para quem tem um conhecimento razoável da história da música brasileira nos últimos cinquenta anos porque em vários momentos se têm uma visão por outro ângulo de uma série de casos públicos e de bastidores já conhecidos. Junte a ele os livros de Nelson Motta: Noites Tropicais e O Som e a Fúria de Tim Maia e, Verdade Tropical de Caetano Veloso e já terá uma boa ideia de como a música brasileira se desenvolveu nesses anos, contados porque quem realmente viveu a história toda.

Quanto ao título em alusão a canção de mesmo nome composta por Erasmo e Roberto Carlos, ele não faz tanto jus assim ao que o Tremendão (eterno apelido de Erasmo) realmente parece ser. Ele sempre foi um cara direto e sincero, pelo menos sua música mostra isso, na Jovem Guarda também fazia o tipo mais cafajeste com canções como “Terror dos Namorados”, “Você Me Acende” e outras além de “Fama de Mau”, mas talvez a sua fama de mau seja muito fruto do fato de seu parceiro musical mais frequente e melhor amigo ter sustentando sempre uma imagem com "ar de moço bom" demais (um pouco daquela coisa Beatles/Stones, aonde os primeiros eram os rapazes certinhos e os segundos os rebeldes, quando na verdade nenhum deles era só uma coisa ou a outra).

domingo, agosto 17, 2014

Barão Vermelho - (2004)





Ouvindo esse disco hoje, me assustei ao perceber que já se passaram dez anos desde o seu lançamento, e a correria nossa de todo dia, ainda não me permitiu apreciá-lo como se deve. O lado bom disso é ter um disco que na minha cabeça é praticamente “novo”, já que não o ouvi muito, mesmo o considerando um ótimo trabalho da banda. Da turnê que eles realizaram nesse período tive o prazer de ver cinco shows. 

Esse disco registrou a volta do Barão Vermelho, depois de um intervalo no qual os integrantes se dedicaram a projetos paralelos. Intitulado simplesmente como Barão Vermelho, assim como o primeiro álbum da banda, ele marcou um recomeço que infelizmente viria a ser interrompido com uma pausa a partir de 2007 da qual eles ainda não saíram (exceto para uma curta turnê em comemoração aos 30 anos da banda entre 2012 e 2013).

O Barão retornou ao seu som mais característico com uma pegada vigorosa, lembrando alguns de seus melhores discos como Na Calada da Noite e Carne Crua. “Cara a Cara” do baixista Rodrigo Santos com o baterista Guto Goffi abre o disco e representa bem essa sonoridade com guitarras, violões, baixo e bateria marcantes como deve ser um bom Rock’n’Roll. “Cuidado” de Roberto Frejat (guitarra e voz), Maurício Barros (teclados) e Marcelo Rosauro foi o “single” que lançou o disco, não está entre as minhas prediletas, mas é aquele tipo de música que sempre funciona nos shows (assim como a assustadora “Puro Êxtase” que ao vivo ganhava muito em relação à gravação original no disco homônimo que esteve longe de figurar entre os melhores momentos discográficos da banda). “Mais Perto do Sol” revela mais uma boa melodia composta por Frejat e Rodrigo Santos, e tem letra de Mauro Santa Cecília. “A Chave da Porta da Frente”, parceria de Frejat e Leoni tem um clima latino e mais um bom riff de guitarra, coisa que o Barão talvez tenha feito de forma única no rock nacional. As melhores bandas de rock, sempre souberam fazer belas baladas, e foi o que Frejat, Maurício Barros e Mauro Santa Cecília realizaram em “Pra Toda Vida”. Desconheço o processo de composição através do qual a música foi feita, muito provavelmente letra e música foram feitas de formas separadas, mas elas se fundem de tal maneira que parecem terem sido feitas simultaneamente por um só compositor. Aliás, o letrista Mauro Santa Cecília que já vinha de outras colaborações com o Barão, e registrou várias parcerias nesse disco também está presente, em parceria com Frejat, na adaptação do poema “Embriague-se” de Charles Baudelaire na música que ganhou o mesmo título do poema. Uma ode ao álcool, (Embriague-se, embriague-se de noite ou ao meio-dia, embriague-se numa boa de vinho, virtude ou poesia). “O Dia Em Que Você Me Salvou” de Frejat, Fernando Magalhães (guitarra) e Mauro Santa Cecília, tem algo dos anos 60 e do punk dos 70 nas guitarras e é mais uma das músicas “ganchudas” do disco que acabou não tendo a divulgação que merecia. “Cigarro Acesso No Braço” composta pelo mesmo trio é uma balada com uma letra forte de Mauro ("Vendo o sonho morrer, eu pude perceber, você dormindo hoje ao meu lado, é um cigarro aceso queimando meu braço"). A gravação é de uma melancolia e intensidade profundas. Para quem já foi muito criticado quando começou a cantar, Frejat se revelou com o tempo um bom intérprete que sabe dar o recado como poucos cantores, inclusive uma penca deles que cantam com muito mais técnica. “Tão Inconveniente” de Fernando, Rodrigo, Mauro, Lúci, Tom Capone e Frejat, é outro bom rock do disco que talvez tivesse melhor sorte na década anterior quando ainda se tocava música de qualidade no rádio. “A Máquina de Escrever” foi outra realização muito feliz de Frejat e Guto Goffi que musicaram esse poema de Giuseppe Ghiaroni (creditado com o nome errado no encarte. O poeta já foi musicado também por Erasmo Carlos na música “Sou Uma Criança, Não Entendo Nada”). Uma das melhores, senão a melhor faixa do álbum. “Só O Tempo”, outra colaboração de Frejat, Fernando e Mauro, fecha o disco.

O CD trazia ainda uma faixa interativa (que eu acho uma grande chatice que rolou quando começou a popularização dos computadores e ainda bem que já ficou para trás) através da qual você podia baixar duas faixas bônus, coisa que não fiz porque quando eu ganhei o disco já não estavam mais disponíveis e só consegui conhecer ouvindo de maneira gratuita num site (exatamente o contrário da ideia dos produtores, que era induzir o fã a comprar o disco original e não o pirata ou baixar o mp3 numa época em que as vendas já despencavam de vez no mercado nacional). Uma delas é “Círculos Loops e Repetições” de Frejat, Guto e Mauro que traz mais uma visita do Barão a música nordestina como fizeram em “Pergunte ao Tio José” (letra de Raul Seixas musicada por Frejat e gravada no disco Carne Crua), fundindo baião com rock, aliás, como o próprio Raul ensinou em “Let Me Sing, Let Me Sing” e outras de suas composições. A outra canção bônus se chama “É A Vida”, de Peninha (percussão) e Luiz Carlos Da Vila. Em se tratando de um álbum de 40 minutos numa época em que o CD já era o padrão e os discos já tinham avançado sua duração para até 60 minutos, acho que as duas podiam estar no CD sem a frescura de ter que baixar, mas ao mesmo tempo acho que ambas não acrescentariam muito ao disco que é muito bom por si só. 

Bons arranjos de guitarra, belas melodias e letras com conteúdo, receita infalível de um bom Rock’n’Roll, resultaram num disco maduro, tanto na temática das letras quanto na qualidade musical da banda, porém, sem perder a energia e alegria juvenis do Rock. 

domingo, agosto 10, 2014

Engenheiros do Hawaii - Uma Breve Viagem Discográfica: Os Anos Gessinger, Licks & Maltz

7. Capítulo VI

Gessinger, Licks & Maltz (1992)




Nenhum título poderia ser mais direto do que esse que levou os nomes dos integrantes da banda, ou sobrenomes, na verdade. Gessinger, Licks & Maltz foi o sétimo disco dos Engenheiros do Hawaii (e sexto da formação) e manteve a tradição da banda de lançar um disco anual desde o lançamento do primeiro em 1986. Depois do sucesso arrebatador dos discos O Papa é Pop e Várias Variáveis, eles lançaram um álbum que teria menor repercussão radiofônica. Tornaram-se hits apenas as faixas “Ninguém=Ninguém” e “Parabólica”. O disco trazia uma sonoridade um pouco mais leve, com uma recorrência maior de baladas e muitos teclados. Porém, longe de parecer um disco fraco, ele apresentaria a banda num de seus melhores momentos, Humberto escreveu algumas de suas mais inspiradas (e longas) letras. Nos momentos power trio de guitarra, baixo e bateria, a banda apresenta a unidade e entrosamento conseguidos com os anos de estrada e gravações.

Uma guitarra slide acompanhada de um arpejo no contrabaixo abre o disco. Era a canção “Ninguém=Ninguém” que seria o primeiro single (ou música de trabalho como se diz de maneira infeliz no Brasil). Humberto seguia escrevendo letras que denunciavam seu incômodo com questões sociais e humanas, com título extraído de uma frase do livro A Revolução dos Bichos do escritor inglês George Orwell. A faixa apresentava a sonoridade atingida pelo grupo no disco anterior, Várias Variáveis, assim como a música seguinte:”? Até Quando Você Vai Ficar?” com seu arranjo e riffs intrincados de baixo e guitarra. Maltz se encontrava no seu melhor momento como baterista e contribui muito para uma das faixas mais marcantes da discografia da banda. “Pampa no Walkman” é uma milonga gaúcha, gravada de maneira acústica, apenas com os violões de Humberto e Augusto e a percussão de Carlos. A música foi composta por Gessinger ainda na adolescência e teve trechos revistos para a gravação, e assim como em muitos momentos da carreira da banda, dialoga com seu próprio trabalho ao fazer referência à música “Sampa no Walkman” gravada no álbum anterior. “Túnel do Tempo” é a primeira das várias faixas do disco nas quais o teclado assume papel importante na condução da música. “Chuva de Conteiners” retorna a sonoridade mais rock indo para uma linha mais virtuosística na construção do arranjo. Definitivamente os Engenheiros se encontravam num entrosamento musical excepcional. A música começa com Augustinho cantando uma segunda voz, coisa bem rara na história da banda. Da introdução leve acompanhada de violão, eles vão para uma quebradeira de guitarra, baixo e bateria como poucas vezes se ouviu no rock nacional. “Pose (Anos 90)”, outra das longas letras de Humberto, apresenta seus trocadilhos e aliterações, uma de suas marcas registradas que agradava muito aos fãs (e incomodavam imensamente aos que não curtiam a banda): “Não vou viver pra sempre, nem morrer a toda hora, como rasgos pré-fabricados num novo-velho blue-jeans”, “Pela TV a acabo uma baleia acaba de nascer”, “é pura pose, pois é, pós-qualquer coisa e o pior não é isso”. Depois de um falso final, a música retorna ao refrão para encerrar de forma abrupta o lado A. 

“No Inverno Fica Tarde + Cedo” abre o lado B, tendo mais uma vez o teclado como base principal, sendo que a maior parte da música é conduzida apenas pelo instrumento com Humberto se acompanhando enquanto canta mais alguns de seus bons versos (“só depois de perder você descobre que era um jogo, um jogo que não acaba nunca, nunca acaba empatado”). “Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora”, parceria de Gessinger e Licks, tem letra longa que faz jus ao título tanto no tamanho quanto nos trocadilhos (“overdose homeopática, ode ao que se fode, humildade com “H” maiúsculo e dourado, enfant terrible veterano, calendário eterno, fuso anti-horário, luz difusa, confusa explicação, tara relax, safe sex, disneylândia dândi, a grande guerra, pantanal new age, bacanal cristão, fanatismo indeciso, fanática indecisão...”). E se naquela época o compositor já achava um pesadelo a possibilidade de todo mundo ser tudo, o que diria hoje então, nos tempos em que “todo mundo é poeta, todo mundo é atleta” e que todo mundo realmente parece ser (ou querer ser) tudo? O contrabaixo aparece fazendo de forma marcante na música que é a mais longa do disco. “Parabólica”, outra balada acústica, teve a letra composta por Humberto para sua filha, Clara, e tem música de Augusto Licks que também construiu um belíssimo arranjo de violão. A música se tornou outro hit da banda. O teclado retorna em “A Conquista do Espelho” para reinar nas últimas três faixas do disco que se emendam como uma suíte. Augustinho apresenta alguns bons momentos de guitarra, bem como o solo da faixa em questão. “Problemas...Sempre Existiram” aparece na sequência e desemboca em “A Conquista do Espaço” que fecha o disco de maneira comovente com a guitarra “chorada” de Licks acompanhando o texto declamado por Gessinger: A MÍDIA...A MEDIOCRACIA, MUITO ZORRO E NENHUM SARGENTO GARCIA, HÁ MUITO JÃO NÃO SOMOS COMO JÁ FOMOS: TODOS IGUAIS, IGUAIS AOS POUCOS QUE AINDA ANDAM, IGUAIS A TANTOS QUE ANDAM LOUCOS, IGUAIS A LOUCOS QUE AINDA ANDAM, IGUAIS A SANTOS QUE ANDAM LOUCOS DE SATISFAÇÃO...”

A capa azul com escritos na cor amarela trazia engrenagens que imitavam o logotipo utilizado pela banda Emerson, Laker e Palmer, e assustava mais uma vez numa época em que já não era tão comum o uso das cores primárias (o que dirão hoje?). Com Gessinger, Licks e Maltz, os Engenheiros escrevem mais um capítulo de sua história e, o penúltimo da carreira discográfica de sua formação clássica.

domingo, agosto 03, 2014

André Midani – Música, Ídolos e Poder – Do Vinil ao Download




Nos últimos anos, o lançamento de biografias relacionadas à música têm se tornado mais frequente no mercado editorial brasileiro. Ao mesmo tempo em que parece ter sido descoberto um novo filão, em alguns casos, esses lançamentos acabam resolvendo um atraso sobre uma parte da história da música brasileira sempre relegada aos bastidores. O livro em questão, André Midani – Música, Ídolos e Poder – Do Vinil ao Download foi lançado em 2008 pela Editora Nova Fronteira. 

André Midani, nascido na Síria e criado na França para onde se mudou aos três anos de idade, acabou por se tornar um dos nomes mais importantes da indústria fonográfica brasileira, tendo atuado também no mercado americano e mexicano. Ele chegou ao Brasil em 1955. Antes disso, trabalhou no setor de estoque e como vendedor na gravadora Decca na França. Seu primeiro emprego no Brasil foi na Odeon Records onde esteve ligado diretamente ao lançamento da bossa nova, uma vez que João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes foram contratados pela Odeon. No mesmo período, Lúcio Alves, Dick Farney, Sylvia Telles, Elza Soares, Anísio Silva, Isaura Garcia, Tony e Celly Campelo também gravavam pela Odeon. Depois de um período atuando pela Capitol Records no México e nos EUA, retornou ao Brasil ainda nos anos 1960 para assumir a direção da gravadora Phillips, tendo sido responsável pelo lançamento de discos de vários artistas ligados à Tropicália, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e os Mutantes; além de Elis Regina, Nara Leão, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Jorge Ben, Maria Bethânia, João DonatoNa época, a Philips fez um anúncio no qual apareciam todos seus contratos e trazia a frase: “Só nos falta o Roberto Carlos...Mas ninguém é perfeito”, pelo fato do artista ser contratado da CBS (hoje, Sony Music). Em 1976, foi o responsável pela inserção da gravadora Warner no país, lançando discos de Tom Jobim, Hermeto Pascoal, A Cor do Som, Marina Lima, Belchior, Zezé Motta, Ney Matogrosso, Banda Black Rio, Raul Seixas, Gil, Elis, Paulinho da Viola e Dona Ivone Lara. No início dos anos 1980, a Warner viria a se tornar um dos principais selos a lançar bandas do rock nacional, entre elas: Barão Vermelho, Titãs, Kid Abelha, Marina Lima, Lulu Santos. Em resumo: Midani atuou diretamente na carreira discográfica de quase todos os artistas brasileiros que estiveram na grande mídia dos anos 1960 aos 1980.

O livro, disposto em pequenos capítulos e numa narrativa que não se aprofunda em detalhes, lembra em alguns momentos a despretensiosa autobiografia de Erasmo Carlos, Minha Fama de Mau (que de tão despretensiosa, Erasmo evitou chamar de biografia dizendo que era apenas um apanhado de casos que se passaram em sua vida). Apesar de carregar a alcunha de autobiografia, Midani não entra muito em questões pessoais, de forma que o livro se torna um histórico de sua vida profissional, deixando-o bastante útil para quem tem interessa na história da música brasileira. Ainda que ele não funcione exatamente como o que poderíamos chamar de registro documental, ele traz muitas informações e questionamentos para quem sabe ler as entrelinhas. Em poucas, porém claras palavras, está nele toda a sujeira que permeou as grandes gravadoras: o surgimento e funcionamento do esquema de jabá; o envolvimento da máfia na indústria fonográfica; a perda da direção das gravadoras por “homens da música” para cair nas mãos de tecnocratas; a pirataria de cassetes e CDs que tomou conta do país nos anos 1990, num esquema fabuloso com origem na China. As palavras escritas por Midani deixam um pouco menos bela a história da música popular brasileira e internacional (ok, essa história nunca foi tão bela mesmo), ainda assim, essas palavras precisavam ser ditas e explicam muito de como o mercado chegou a essa miséria musical que hoje se encontra na grande mídia.

Em tempo: não consigo pensar no André Midani e não lembrar os versos de Raul Seixas na música “Conversa Pra Boi Dormi” (“André Sidami só faz confusão, sonhei com ele e mijei no colchão”).

Ainda: (O livro se encontra disponível para download no site de Midani: http://www.andremidani.net/)